17/04/2010

Não queria que esse fosse um post de um hetero sobre um livro com “temática homo”. Mas, porém. Ele é. Veja aí a primeira frase:“temática homo”. Por mais que me esforce, meu olhar sobre Maurice é um olhar de hetero. Um olhar “de fora”. Sujeito a distorções e a não percepção de nuances que não fazem parte do meu arcabouço imaginário. Mas enfim, aí vamos nós. Vou correr o risco.
Tento imaginar como é gostar de alguém e não poder dar a mão na rua, não poder dizer que ama, não poder ir ao cinema, ao restaurante, à academia, ao clube, ao jogo de futebol, à balada. Tento imaginar olhares lançados sendo interrompidos pelo medo do desprezo, e, pior: tento sentir os olhares de desprezo. Imagino como é sentir amor, sentir tesão, sentir desejo, e ser obrigado a usar em todas as relações uma régua onde cada centímetro vale um quilômetro. A distância que separa as possibilidades de concretização tendem a ser maiores, já que a trena da moral tem marcações muito mais largas quando se está fora da norma. As normas. Os códigos.
Maurice por muito tempo parece confuso. Mas a confusão maior está em Clive. Porque Maurice permanece em conflito. Clive é a desistência. Maurice está em conflito, Clive entra na conformidade. Gosto de pensar que a confusão está, na verdade, no gesto de se conformar. O conflito não é confusão. O conflito é a busca e, se se está em busca, qual é mesmo a confusão? A conformidade é a aceitação de que a confusão está instalada e é melhor deixá-la ali escondidinha, já que o eu-social quer sempre o não-conflito.
Mas percebi em Clive e Maurice alguma coisa que pode ser transposta para qualquer relacionamento. O eterno jogo do perde-e-ganha. O eterno descompasso, mesmo entre os aparentemente afinados. Nas relações hetero, que não são livres de preconceitos – negro-branco, gordo-magro, jovem-velho, rico-pobre - o descompasso acaba fazendo um vencedor aos olhos de quem questiona. A diferença é que Maurice e Clive e quase todo mundo que vive os dilemas particulares de Maurice e Clive são obrigados a fazer do eu-social algo que mata o eu-eu, e isso faz dessas relações, na verdade, um jogo de perde-e-perde. Não há empate. E não há vencedores. Há perdedores, sempre. Porque a moral vigente esmaga as vitórias conquistadas mesmo em ambientes livres, os não-lugares que alguém já citou aqui. Porque o não-lugar é sempre menor que o lugar. A moral derrota em cada olhar de reprovação lançado sobre os envolvidos. Em cada riso disfarçado. Em cada toque de mão evitado, em cada piada sobre a parada gay.
Então, consegui ver em Maurice um pouco do que é viver isso. Um pouco. Uma pequena amostra. Do que é a angústia, a solidão, o sentimento de inadequação, a luta permanente do eu-eu contra o eu-social. Que normalmente vence, seja em qual for o tipo de relação. O eu-eu de Clive perdeu a luta para o eu-social. A família, a moral vigente, a posição na sociedade. São forças extremamente poderosas, e não é qualquer Clive que as supera.
E Clives existem aos montes por aí.
Sim, tem Scudder. Mas isso é para outro post.


(post para o blog Mauricedades - http://mauricidades.blogspot.com/)

4 comentários:

Andarilho disse...

É tão dificl abordar este tema sem magoar alguém. Parabéns a você que fez muito bem.

Sobre paisagens de um ponto.'s disse...

Mais difícil do que abordar um tema, é exercitar o nosso lado do eu-outro. Ainda que necessário, é sempre muito difícil. e quando nesse outro predomina o sentimento da angústia, solidão e inadequação, esse exercício se torna ainda mais comlpicado, mais denso talvez. Interessante a maneira como vc escancara tão claramente, sem grandes pretensões, a visão/impressões de um rapaz criado numa sociedade ainda tão machista. Parabéns pelo texto, muito bacana.

Sobre paisagens de um ponto.'s disse...

Mais difícil do que abordar um tema, é exercitar o nosso lado do eu-outro. Ainda que necessário, é sempre muito difícil. e quando nesse outro predomina o sentimento da angústia, solidão e inadequação, esse exercício se torna ainda mais comlpicado, mais denso talvez. Interessante a maneira como vc escancara tão claramente, sem grandes pretensões, a visão/impressões de um rapaz criado numa sociedade ainda tão machista. Parabéns pelo texto, muito bacana.

Sidney Andrade disse...

Olá André
Cheguei ao teu blog por indicação de Susanna (do blog Sus-pensa). E vim lhe pedir uma colaboração. Se me permite tomar alguns minutos da tua atenção.
Sou estudante de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba, e estou executando meu trabalho de conclusão de curso, que tem por tema "o blog literário como ferramenta de autodivulgação para o novo escritor do ´seculo 21". você poderia colaborar porque meu corpus de análise vai ser composto por dois tipos de sujeitos: 1. pessoas que já publicaram livros de forma independente e têm o blog para divulga-lo. ou 2. pessoas que tem vontade de publicar, mas ainda não o fizeram, e usam o blog como meio de divulgar seus textos aos leitores.
Como Susanna te indicou, suponho que você se encaixaria em algum dos dois casos. Se for assim, você gostaria de ser sujeito da minha pesquisa?
Bem, espero uma resposta, seja qual for. Meu msn é sidneyandrade23@hotmail.com, esse também é meu endereço de email de uso habitual, pode enviar uma resposta por ele. Ou, se achar melhor, responde num comentário no meu blog mesmo: www.sidneyandrade.blogspot.com
Pedindo desculpas por algum incômodo, e já agradecendo a atenção.
Grande Abraço.