30/03/2006

E o Brasil vai Para o Espaço

Confesso duas coisas: a primeira, que continuo achando nosso astronauta com a expressividade de um tomate. Tudo bem que o cara tem jeito de bonachão, é inteligente, graduado e preparado. Mas continuo cismado que ele não tem cara de herói, por mais que queiram fazer, dele, um. A segunda confissão: quarta-feira acompanhei pela tv o lançamento da nave Soyuz, bebendo refrigerante e comendo sanduíche, com uma sensação engraçada: de certa forma, me emocionei. Brasileiro é mesmo um tipo muito estranho. O cara vai passear no espaço às nossas custas, aparece dando tchauzinho pra câmera, apontando a bandeirinha do Brasil no macacão e a gente se emociona, bate palmas e comemora e enxuga uma lagriminha que insiste em cair do olho esquerdo. Magias da mídia.
Sim, ele vai passear por lá. Porque em uma semana, pelo que os cientistas andam dizendo, não dá para fazer nenhum experimento significativo, que compense o investimento. Na noite do lançamento vi a entrevista de um desses figurões aí que disse, claramente: o investimento é muito maior na imagem do Brasil do que, propriamente, em avanços científicos. Porque mostra nosso tomate espacial ao lado de um americano e um russo. Quer dizer: estamos pagando 30 milhões de reais pra ter a bandeirinha do Brasil na fuselagem da nave, um caroneiro sorridente e a sensação de que, levando para o espaço uma camisa da Seleção e um chapéu ridículo igual ao do Santos Dumont, entramos na era espacial.
Curiosa a bagagem do nosso astronauta. Tem a camisa da Seleção, o tal chapéu, fotos de família, selos, camiseta com o rosto de Yuri Gagarin, pins metálicos, dois cds (aliás, espero que um seja da banda Calypso e ele esqueça por lá), retrato de Jesus Cristo (quem fotografou Jesus, pelo amor Dele?) e duas bandeiras do Brasil: uma grande e uma pequena. Não vi nada oficial sobre que tipo de experimentos ele vai fazer por lá. Mas, pelo que andaram dizendo por aí, ele está levando uma caixinha de O Pequeno Cientista, e vai tentar descobrir o que acontece quando se tenta fazer Sangue do Diabo na gravidade zero. E também saber se milkshake de ovomaltine tem o sabor modificado quando se está em órbita.
Senti falta, na bagagem do nosso astronauta, do grande símbolo brasileiro de hoje em dia. Ele podia levar uma foto de uma pizza. Seria muito melhor do que levar a camisa da Seleção, até porque ele pode ser um pé-frio danado e fazer o Ronaldo ter outro piripaque. Talvez, com uma pizza colocada em órbita, a contribuição fosse muito maior. Ainda mais se ele ensaiasse uma coreografia, como a da deputada sei-lá-quem, que deu a sambadinha no plenário da Câmara. De qualquer maneira, estamos todos aqui, torcendo para que o astronauta brasileiro volte para casa, para sua família, são e salvo. E não podemos nos esquecer que Marcos Pontes escreveu seu nome, na história oficial, como o primeiro brasileiro a ir para o espaço. Sim, na história oficial.
Porque os brasileiros estão indo para o espaço há muito tempo. Desde 1500, para ser mais preciso. É isso aí. Brasil!

23/03/2006

O Big Brother do MV Bill

Faz uma semana que o Brasil levou uns bons tabefes na cara, numa noite de domingo, quando o verdadeiro "show da vida" nas periferias brasileiras foi mostrado em nossas televisões.
Muito se discute o que foi apresentado no documentário "Falcão - Os Meninos do Tráfico". Muita gente foi pega de surpresa com a crueza das declarações de meninos que, teoricamente, deveriam estar se preparando para ser o futuro do Brasil mas, ao invés disso, estão se entupindo de drogas, aprendendo a manusear fuzis maiores que eles mesmos e adotando o discurso do "não tenho nada a perder". Declarações deprimentes, que mostram um lado que o Brasil há tempos faz questão de fingir que não vê. Pior ainda saber que, dos 17 jovens entrevistados, 16 morreram antes da exibição do documentário. Transformados, literalmente, em poeira, jogada debaixo de um grande tapete verde-amarelo-azul-e-branco que parece não ter fim. Assassinados por traficantes, por gangues, pelo descaso, pela falta de oportunidades, pela mídia, por pais ausentes. Pelos governos, todos eles, indistintamente, independentemente de cores partidárias ou ideológicas. E por nós mesmos.Todos são cúmplices. Todos somos cúmplices, de alguma maneira. Inclusive eu e você. Aliás, minto: existem exceções. Difícil é fazer, dessas exceções, espelho e modelo para a sociedade.O documentário de MV Bill, cá entre nós, não traz nenhuma novidade. Pelo contrário. Segundo ele mesmo, o documentário está pronto há anos e reflete uma realidade de 4, 5 anos atrás. Que, hoje, não mudou em nada. Quer dizer: deve ter mudado, mas para pior. Uma das virtudes de "Falcão - Os Meninos do Tráfico" está na competência que o autor teve para convencer a Vênus Platinada (e, segundo muitos, alienada), a escancarar para quem quiser ver (e até para quem não queria) o que deveria ser o submundo das favelas brasileiras mas, na verdade, tem se transformado em um mundo paralelo, com leis, conceitos morais e ética próprias. Se é que tudo aquilo tem algo que possa ser chamado de ética, moral ou lei.E agora? O que fazer? Diz a verdade: quem é que sabe? Não é de hoje que tudo foi dito e "redito". Não há governo, municipal, estadual ou Federal que, nos últimos 10, 20, 30 anos, não tenha tido noção de a quantas anda a realidade. Não deve haver cidadão brasileiro com o mínimo de percepção do mundo que não tenha notado, nas ruas, o lento mas permanente avanço de hordas de sem-chance, de sem-educação, de sem-família, de sem-saúde, de sem-teto, de sem-esperanças, de sem-tudo, que todos os dias batem nas janelas de carros em todos os semáforos do país comendo fogo, pedindo moedas, lavando vidros, implorando atenção e dignidade. Todas as noites os "meninos" estão aí, esfregando suas caras melequentas nos nossos narizes. E ninguém olha. Porque é mais cômodo e dá menos trabalho aumentar o volume do cd e fechar os vidros do que levantar o traseiro e fazer alguma coisa. Repito: e agora? Quantos domingos teremos que passar vendo e revendo aquilo tudo para nos convencermos de que temos que fazer alguma coisa, nós, eu e você, ao invés de pensarmos em calças de griffe e sapatinhos de salto para passear em Buenos Aires? Até quando vamos esperar algo das "autoridades"? É melhor cair na real e arregaçar as mangas. Tem muito mais gente se ocupando em sangrar o país até encher o fiofó de dinheiro do que preocupada em mudar as coisas de verdade.
Pelo visto, a gente só pode contar com a gente mesmo.

16/03/2006

My Name is Bond

Quando eu era menino, tive um vizinho chamado André. Ficamos amigos. Mas ir à casa dele e pedir para que o chamassem era uma coisa muito estranha. Parecia que estava pedindo para chamarem a mim mesmo. Conversar com ele era engraçado.Toda vez que eu dizia o nome dele, imaginava que estava conversando com meu espelho e, volta e meia, nem lembrava mais do que ia dizer.Nunca gostei assim, por demais, do meu nome. Mas também nunca o achei ruim. Na verdade, não suporto é ser chamado de André Luiz. Na escola eu tinha calafrios por causa disso. Por favor, se você me encontrar na rua, não me chame de André Luiz, ou não me responsabilizo pelo que pode acontecer. Detesto André Luiz. Aliás, odeio nomes compostos. Com raras exceções. Tem gente que acha lindo. Rodrigo Ricardo. Otávio Roberto. Onofre Eduardo. Eu acho o fim. Parece coisa de novela mexicana. Pior só mesmo aqueles nomes enormes, cheios de sobrenomes. Supostamente, algo com ar aristocrático. Para mim, de uma breguice ímpar. Volta e meia meu nome aparece em um personagem na televisão. E sempre sobra pra mim. Já fui André Cajarana durante não sei quantos anos. Até hoje aparece algum engraçadinho metido a piadista que me chama de André Cajarana. Que eu nem lembro mais quem era, só que era um personagem do Tony Ramos. Eu acho. Agora, esse tal de André, de Belíssima. O sem-vergonha, safado e picareta que roubou tudo da Júlia. É, eu vejo novela também. Por quê, vai encarar? Pois bem... Agora, quase todo dia sou obrigado a ouvir as piadinhas: "Ah, André, mas não é igual ao da novela, né?". Um saco. Ainda mais que o cara, além de sacana, é mais feio do que eu. A fase não anda boa. Além de me chamar André e ser obrigado a ouvir esses gracejos sem graça, ainda sou publicitário, mineiro e careca. Aí, sempre tem outro engraçadinho que diz: "Mineiro, publicitário, careca... Sei, sei, igual ao Marcos Valério...".
No meu caso, ainda mais um agravante. Tenho o mesmo nome do ator da Globo, aquele, que quis dar um beijo no Pelé. Conhecido por, volta e meia, aparecer mal na fita por aí. Mais uma vez, as gracinhas. Enquanto tive um blog, dezenas, centenas de vezes, entrou gente lá e deixou comentários pensando que eu fosse ele. Teve gente que xingou, teve gente que elogiou, teve gente propondo casamento. Até uma macacas de auditório do fã-clube do rapaz andaram aparecendo, e dizendo que eu não devia usar o nome do talzinho para aparecer às custas dele. Pode, uma coisa dessas?De qualquer modo, não desgosto do meu nome. Se pudesse, tiraria o Luiz, e seria só André. Teve uma época em que eu queria me chamar Zé. Só Zé. Zé de nada. Zé. Mas passou. Hoje eu até gosto do nome que tenho. E mesmo do nome "artístico". André vem do grego, e significa "forte, viril". Isso deve ser bom. E deve haver um motivo para eu ter esse nome. Hoje entendo que há motivos para tudo nessa vida. Agora, eu só peço aos engraçadinhos de plantão que parem com essa chatice de fazer piada com o André da Júlia. E com o Marcos Valério. É muito chato.Mas, pensando bem, podia ser pior. Eu podia me chamar Bráulio.
Aí, era o fim da picada.

09/03/2006

Metendo o pé na lama

Pense num homem feio. Enfeie mais. Pense que ele tem vitiligo. Corte uns 15 centímetros das pernas dele. Coloque nele os dentes do Ronaldinho Gaúcho, o cabelo do Ronnie Von e o jeito de andar de um pingüim manco. Pronto. Esse era o Rossi.
Rossi era o técnico da gloriosa Portuguesa, time de várzea de Belo Horizonte onde, como já contei aqui, comecei e encerrei minha espetacular carreira de jogador de futebol, na adolescência. Outro dia, comecei a lembrar do Rossi e das aventuras que todo domingo ele nos fazia enfrentar para bater uma bolinha.
Rossi era detetive aposentado, se não me falha a memória. Não sei bem porque, mas se aposentou cedo. E, depois de perder um filho, morto por um traficante, resolveu fazer, no bairro dele, um time de futebol, para ajudar a meninada a ficar longe das drogas e sonhar com um futuro melhor. Cheguei à Portuguesa através de um amigo, um pouco mais velho do que eu, e que jogava no time adulto, mesmo tendo 17 anos. Eu tinha uns 15. Era um mundo completamente diferente do meu. Cheguei lá com minhas chuteiras novinhas, short importado e meiões branco-Omo, um dos mais de 10 que eu tinha. Rossi olhou pra mim de cima a baixo, balançou a cabeça e disse: "já jogou bola descalço, branquelinho?". Respondi que não, e ele disparou: "pois tire aí as meinhas que mamãe lavou e o sapatinho de princesa, e mete o pé na lama, pra criar uns calos". Esse era o Rossi. Em trinta segundos me situou naquele espaço novo, e me deu várias lições. Em duas frases. Passei mais de um ano jogando na Portuguesa, antes de me mudar para o Rio. E descobri que Rossi era um amigo, acima de tudo. Quase um pai. E meio herói. Ele mesmo lavava os uniformes da Portuguesa, camisas verdes que, de tão velhas, eram quase brancas. Depois de um tempo, me colocou pra jogar também no time adulto, mesmo sendo eu um menino. Me entregou a camisa 7, com um rasgo quilométrico debaixo do braço esquerdo, e deu a ordem: "entra sem medo. Se alguém machucar você, a gente cobre de porrada". Entrei, fiz um gol, e, como não podia deixar de ser, perdemos. Mas Rossi me abraçou no final e deu um sorriso enorme, sem uns três dentes da frente, repetindo "é isso aí, branco-azedo, é isso aí".
E, nesse clima de família, com as piadas sem graça do Rossi e a sensação de que éramos o maior time de futebol de todos os tempos, rodávamos a periferia de Belo Horizonte. Uma turma de meninos e rapazes, uns vinte, subindo e descendo morros, em campinhos no meio da favela, onde fosse. Rossi pagava as passagens de todos. E, depois de cada jogo, aparecia com um saco de laranjas, que a gente era obrigado a chupar. Dizia ele que laranja era melhor que água, para reidratar e repor os sais minerais. O resultado dos jogos não importava. O que valia era a confusão e a aventura. Mas, vendo a gente meio chateado por nunca ganhar de ninguém, ele dizia: "esquenta não, moçada. Semana que vem tem mais. O jogo que vocês têm que vencer de verdade fica fora do campo".
Rossi perdeu o jogo contra um câncer, e eu só soube disso muito, muito tempo depois. Mas deixou gravada em mim aquela primeira frase.
E, hoje, todos os dias, eu tento fazer o mesmo que fiz naquele primeiro dia: meter o pé na lama e criar mais calos. O Rossi era gênio, e eu nem sabia.

02/03/2006

O maior jogo de todos os milênios

Semana passada contei aqui algumas peripécias do meu passado. Parece que fez sucesso. Recebi vários e-mails: um com alguém dizendo não acreditar que eu já fui cabeludo, outro pedindo que eu suba novamente aos palcos pra desbancar Mick Jagger, outro criticando porque chamei nosso astronauta de tomate espacial. Pelo visto, falar sobre a gente dá ibope, mesmo. Bem, depois desse sucesso, resolvi escancarar e contar mais alguma coisa lá de trás da minha vida. E, olha, essa eu contei pra pouquíssimas pessoas. Que não acreditaram em uma só palavra, o que me fez resguardar ainda mais esse pedacinho heróico de minha existência. Mas aí vai.
Eu já joguei vôlei. Certo, sou um tampinha, mas joguei, numa época em que minha altura ainda era compatível com os demais da minha idade. Fui descoberto, e isso é um orgulho que trago comigo, pelo professor Adolfo Guilherme, que, bem antes de me descobrir, chegou a ser treinador da Seleção Brasileira Feminina. Jogando uma pelada nas quadras do Minas Tênis, em BH, seu Adolfo me viu, me chamou num canto e disparou: "Menino, você leva jeito. Quer treinar comigo"? Eu tinha 13, 14 anos. E foi aí mais de um ano com "seu" Adolfo, divertidíssimo, treinando e sonhando em crescer mais alguns centímetros e ser um novo William. Mas, peraí, essa não é a estória, é a introdução. Feita, aí vai o "causo".
Então, jogava vôlei. Mas acabou que fui morar no Rio de Janeiro. E fiz dupla de vôlei de praia com um amigo, o Ibinha. O Ibinha tinha um nome pomposo, aristocrático: Eduardo João Henrique Haas Gonçalves Júnior. Mas era duro, ferrado, e combinava mais com Ibinha, mesmo. Era meu amigo, colega de escola e dupla na praia. Inseparáveis. Éramos da mesma turma na oitava série. E, um dia, se na praia não ganhávamos de ninguém, tivemos nosso nome inscrito na galeria dos heróis mundiais do esporte, apesar de ninguém saber disso.
Nossa turma, a 802, chegou à final do torneio de vôlei da escola contra a 801. Eu de levantador, o Ibinha na entrada e o Zé Ricardo, que na época treinava no Fluminense, na saída de rede. Dos outros, confesso, não lembro. Mas o trio era quase imbatível. Só que, sabe-se lá porque, no dia da final nosso time não foi. Fomos só eu e Ibinha. Os dois e mais a torcida, o outro time, a diretoria da escola e meio mundo. Mas cadê o time? Íamos perder por WO. Mas, conversando com o professor de educação física e, no caso, juiz do jogo, ele permitiu que entrássemos em quadra, eu e Ibinha. Perder por WO era muito feio. Claro que todo mundo previa um massacre, mas entramos em quadra aplaudidíssimos pela iniciativa. Até que, dentro da quadra, eu e Ibinha começamos a dar um show. Ninguém acreditava. Eu e ele, sem reservas, sem mais ninguém, começamos perdendo o jogo, mas equilibramos ainda no primeiro set, que ganhamos de virada. A torcida, em êxtase, começou a gritar nosso nome. Pouco me importava, pelo menos a Carol gritava meu nome, e isso me bastava. A 801 mudou o time todo, entrou gente, saiu gente, e eu e Ibinha firmes, gigantes (eu nem tanto, mas entenda meu entusiasmo). A cada lance, um joelho esfolado, uma cabeça dolorida, mas ponto para a dupla da 802. Nós, claro. Que, acredite você ou não, ganhamos a partida. Eu e Ibinha derrotamos um time inteiro, com seis titulares e seis reservas. É verdade! Olha, to dizendo! Tenho centenas de testemunhas!
Tá bem, tá bem... Não precisa acreditar. Ninguém acredita mesmo. Mas vou procurar o Ibinha pela net e trago ele aqui pra você ver. Pode esperar.