30/01/2010

28/01/2010

(foto: André Gonçalves)
* +fotos em www.intactaretina.blogspot.com

25/01/2010

Sobre "Lula, o Filho do Brasil" (terceira e última parte)

É impossível afirmar que “Lula, O Filho do Brasil” seja um filme apolítico. Por várias razões.
A mais óbvia é a de que é um filme que “conta” a trajetória de um cidadão que se torna presidente da República e está em pleno exercício de seu mandato. O filme É sobre a vida do Presidente da República. E isto já faz, dele, um filme político. Se Lula está na Presidência e tem possibilidades de, em cargo público, interferir em um processo eleitoral, um filme que conta sua vida é instrumento político.
Outra razão está no próprio filme, que mostra a trajetória de Lula como sindicalista. Ora, o movimento sindical é um movimento eminentemente político. Se Lula existe no filme como líder sindical que “enfrenta” (enfrenta?) os patrões e a ditadura militar, o filme se torna político. Se Lula aparece em um estádio com cem mil trabalhadores à sua volta gritando palavras de ordem, o filme tem os dois pés no político. O filme sobre Lula só faz sentido tendo em perspectiva a história completa: o menino pobre que sai do sertão nordestino, é líder sindical e chega à Presidência. Não há outra história. Não é um filme sobre Lindu. Não é um filme sobre retirantes. Não é sobre os amores de um homem. É um filme sobre Lula. E Lula só é Lula por sua atuação como sindicalista e homem público. Portanto, o filme só existe pela existência do Lula político. Sim, não há menção ao Lula homem público, com cargo eletivo. E talvez seja essa a principal razão para “Lula, O Filho do Brasil” ser um filme político: seu aparente apolitismo. Um apolitismo cínico.
A tentativa de despolitizar Lula é um gesto absolutamente político. A despolitização de Lula serve como tentativa de pacificação de tensões políticas, justificando atos presentes e reinterpretando gestos passados. Tranqüiliza os conservadores e neutraliza e deslegitima os movimentos sociais. Na negação veemente do comunismo pelo personagem Lula está embutida mensagem cara às alas conservadoras da política brasileira: comunistas e movimentos sociais são “inimigos internos”, baderneiros, “esquerda raivosa” e agentes do medo. O “sapo barbudo” é reenquadrado historicamente, e percebido sob a ótica de agente conciliador entre os interesses das classes conservadoras e dos trabalhadores. E não de uma eterna ameaça ao sistema.
Há ainda a omissão da fundação do Partido dos Trabalhadores, que aconteceu dentro do período compreendido pelo filme: é a omissão das denúncias e os erros atribuídos ao partido. Lula, sem o PT, é um Lula acima de questões partidárias, um Lula suprapartidário, higienizado, barbeado, perfumado, limpo, puro, o que pode abrir leques de acordos políticos futuros e justificar o abraço dado pela esquerda brasileira no conservadorismo. Já a afirmação de Lula de que não é preciso enfrentar os patrões porque “são eles que pagam nossos salários”, além de vergonhosa e de beirar o patético, transforma o sindicalismo, as organizações sociais e seus assemelhados em movimentos menores, anacrônicos, ultrapassados. E que é ele, o Lula sem bandeiras a não ser a bandeira branca do estadista, o justo, o “cara” ideal para negociar os direitos dos trabalhadores juntos aos patrões gente-muito-boa.
Todas essas tentativas de despolitizar Lula, de trazê-lo para o centro, de inseri-lo no senso comum, são atos políticos. Não há ingênuos ao redor de Lula. Nunca houve no Brasil um filme mais político do que “Lula, o Filho do Brasil”. Não sejamos nós, portanto, os ingênuos. Edgar Morin afirma que o cinema é, por excelência, o terreno mais fértil para a criação de mitos. Ao que tudo indica, essa foi a intenção. Ao que parece, tiro no pé: no final das contas, “Lula, o Filho do Brasil” é um filme ruim, desnecessário, inconseqüente, politiqueiro, constrangedor. E, realmente, não dá para saber ao certo as intenções de Lula ao aprovar esse monstrengo. Vaidade? Propaganda eleitoral? Simples deslize por falta de percepção do momento? Só tempo vai dizer.
Mas já que inegavelmente tem o dedão do pé dentro da publicidade totalitarista, o filme de Lula faz, pelo menos, com que possamos ficar um tanto quanto decepcionados com ele e com sua própria história. E, pior: bastante desconfiados.

08/01/2010

Sobre Lula, O Filho do Brasil - parte II

Impressiona em “Lula, o Filho do Brasil” o uso de recursos os mais batidos para emocionar o espectador médio. Impressiona, inclusive, pela incompetência. Qualquer um que tenha visto qualquer novela reconhece seus truques.
Dona Lindú, mãe de sete filhos, abandonada pelo marido no sertão mais pobre do Brasil, levantando o recém-nascido Lula (o oitavo filho) e dizendo “você vai se chamar Luís Inácio”. A seqüência da morte de Lurdes e do bebê é um desperdício da carga dramática de uma situação como essa. A sequência onde Lula vai ao cemitério se despedir de Maria de Lurdes e diz: “era um menino” é um acinte. E nem mesmo a que mostra como Lula, fazendo hora extra no trabalho e, por cansaço e excesso de dedicação, se acidenta e perde o dedo, consegue ser convincente. Manipulada com inabilidade extrema, o que se perde nessa seqüência é a possibilidade de transmitir dor, desespero, sofrimento, como deve realmente ter acontecido. E fica um gostinho de tentativa de se martirizar o acidentado.
Outro ponto marcante em “Lula, o Filho do Brasil” é a situação da mulher. Existem basicamente quatro mulheres presentes na trama. Dona Lindú, nitidamente colocada como a mãe protetora, acolhedora, compreensiva, lutadora e forte, com a sabedoria de quem sofre com a pobreza mas percebe a grandeza do mundo. Há algo de Nossa Senhora em Dona Lindú. Há, mesmo, durante a seqüência do enterro de Dona Lindú, um flashback de Lula onde as imagens remetem claramente à Pietá, acolhendo em seu peito o filho sofredor.
Há também Maria de Lourdes, primeira mulher de Lula e que morreu no parto. Cuja únicas aparições são na primeira paquera, no momento do pedido de casamento, na lua de mel e em um, digamos, momento “pré-sexo-selvagem” na laje da casa nova, enquanto ela lava roupa. E, claro, na seqüência do parto que termina com a morte de Maria de Lurdes e o filho.
Outra mulher muito presente é Marisa Letícia. A hoje Primeira Dama é retratada como mulher forte, “viúva que cria o filho sozinha”. Sozinha, mas morando com os pais. E, depois, ela só aparece aplaudindo o marido no Sindicato, e de mãos dadas com ele no enterro de Dona Lindú. Ou pouco mais que isso.
Da quarta mulher não se diz o nome. Mas Lula, ainda jovem e solteiro, dança com ela na noite, em um bar ou algo que o valha. Com direito às piadinhas normais de qualquer homem solteiro. No mais, aparecem de relance a irmã de Lula e mais uma ou duas mulheres, como a professora dele. E só.
De resto, não há em quase duas horas de filme uma mulher retratada de maneira diferente do clichê. Parece que na vida do homem Lula nunca houve uma mulher fora dos perfis “mãe/dona de casa/ professora primária/mulher pra casar/mulher pra dançar na noite”.

* aguente firme: no próximo post, o trecho final da série sobre "Lula, O Filho do Brasil"

04/01/2010

“Toda vez em que penso na minha vida política, penso no Partido dos Trabalhadores, que foi a minha primeira e única experiência de vida partidária”.

Esta frase é de Lula, em 2000, no texto “PT:20 Anos de Cidadania”, que está publicado no portal da Fundação Perseu Abramo (link no final do post).
Logo abaixo, outra afirmação: “Ajudei a fundar o PT com o objetivo de criar uma alternativa concreta de cidadania para milhões de trabalhadores brasileiros. E para mudar o Brasil. Fiz isso juntamente com outros sindicalistas, intelectuais, políticos e representantes de movimentos sociais, lideranças rurais e religiosas”.
Um dos fatos que mais me chamaram a atenção em “Lula, o Filho do Brasil” foi a omissão do momento da fundação do Partido dos Trabalhadores por Lula e outros brasileiros ilustres. Em nenhum momento é citado o desejo de se criar um partido de defesa dos trabalhadores. Nem mesmo de passagem. Não é possível afirmar que essa ausência pode ser explicada pelo fato de o filme se localizar em um período anterior a esse momento. O filme mostra a prisão de Lula, a morte de Dona Lindú, a ida de Lula ao enterro da mãe. E, por sinal, termina aí. Era maio de 1980. O PT foi fundado por Lula antes disso. A primeira reunião histórica do PT aconteceu em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo. Lula já falava do PT em 1978. Mas não há absolutamente nenhuma referência ao partido, ou à intenção de que ele fosse criado. Visivelmente, e sabe-se lá porque, o Partido dos Trabalhadores foi omitido do filme que conta a história de Lula. Só por isso já é possível fazer uma severa crítica a ele (ele, o filme), supostamente biográfico. Mas pode-se fazer outras.
Por exemplo, a ausência de referências a Lurian, nascida em 1974, antes de seu casamento com Marisa Letícia. Portanto, dentro do período compreendido pelo filme. São um romance e uma filha já assumidos por Lula, que causaram toda aquela celeuma com a baixaria de Fernando Collor nas eleições de 1989 mas que, hoje, não representam nada demais. Mais ausências? Aonde estão os intelectuais que também fundaram o PT e tiveram participação decisiva na carreira do político Lula? Antônio Cândido, Frei Betto, Mário Pedrosa, Moacir Gadoti, Lélia Abramo, Sérgio Buarque de Holanda, Apolônio de Carvalho? A única vez, no filme, em que se faz referência a qualquer intelectual é em uma cena onde Lula afirma: “até que para sociólogos vocês são bons desenhistas”. Ou seja: de certa maneira, há aí algo de preconceito. Ou de manifestação de um “viés” populista, buscando afastar do metalúrgico Lula qualquer possibilidade de aproximação com uma ideologia de origem esquerdista clássica. Aliás, não há, em todo o filme, qualquer traço de posição ideológica do político Lula. Ou há: por duas vezes, em situações distintas, ele repete: “Não sou comunista”.
Muito pouco para a biografia do maior líder sindical do Brasil e maior símbolo da esquerda brasileira.

* esse post continua amanhã
** texto de Lula no Portal da Fundação Perseu Abramo