31/03/2008

Shout

Dois dedos na garganta.
Tem texto novo lá.

18/03/2008

Autobiografia não autorizada de Maria Quem – Tiro 4

Meu pai, que chamava Onofre, era motorista de ônibus, branco, enorme e lindo, com cara de ator de novela que eu nem sei o nome, e era filho de motorista de ônibus e neto de motorista de caminhão. Ele gostava de ser motorista, e desde criança falava que ia ser igualzinho ao pai dele, meu avô, quando crescesse. Meu pai não gostava de estudar quando era menino, por isso não aprendeu muita coisa. Mas aprendeu a ser filho da puta desde cedo. Começou que foi pai pela primeira vez aos quatorze anos, quando embuchou uma tal de Mariah, mulher casada com o Tonico do bar. Era uma coisa de carregar caixa de cerveja pra lá e pra cá e meu pai, que sempre foi bonito como o diabo, conheceu as coisas da Mariah no meio das garrafas de cerveja. Meu avô, o pai do meu pai, só fez foi achar muita graça nessa história e foi conversar com o Tonico, que tinha dito que ia matar a Mariah. Meu avô, pai do meu pai, convenceu o Tonico de não matar ninguém, e Tonico, Mariah e Alecsandro, o primeiro filho do meu pai, viveram juntos até que o Alecsandro morreu num tiroteio com a polícia, ano passado. Mau elemento. Meu pai gostava dele, mas Tonico fez dele um bandido, de tanto bater no menino. Ele queria bater mesmo era no meu pai, mas meu pai era enorme, e o Tonico parece um toco de amarrar jegue. Meu pai cresceu aprontando e conhecendo todas as moças do bairro por dentro e por fora, de cima até os lá embaixo todos. Meu pai disse que nunca ia casar na vida porque casamento era coisa de homem feio ou burro, e ele nem era uma coisa nem outra. Aí um dia meu pai soube que na Passarinha tinha uma menininha novinha que não devia ter quinze anos. E ele foi lá, na Passarinha. E conheceu Edilene, minha mãe. Minha mãe, que começava a ser puta, se apaixonou na mesma horinha pelo meu pai, que já era filho da puta há muito tempo. E meu pai, que era filho da puta mas era lindo, arreganhou um sorriso do tamanho do céu e quase mata minha mãe, que desmaiou e caiu diretinho nos braços dele.
Teresina
(foto: André Gonçalves)

15/03/2008

Macarronária

É tarefa masculina prover o alimento da fêmea, especialmente quando a fêmea faz morada no quarto principal do peito do macho. É tarefa do homem caçar o ex-vivo animalzinho ou tubérculo ou sorrateira raiz, ou usar o cartão de crédito ou a capacidade de realizar o escambo (ou, em último caso, a invasão armada de um depósito de um supermercado qualquer) para transformá-lo em fondues de peito de morango ao chocolate, bife de lontras a escarola, pato com laranjas da Albânia e molho de catupiry ou salada Scafollesi Tontti enfeitada com fios de ovos de crocodilos albinos da Malásia. Ou até mesmo num simples molho a bolonhesa. Mas os tempos modernos fazem crer aos menos ponderados que, pelo fato de todos terem os direitos iguais, homens, mulheres e suas variantes e adjacências, tal fato (o prover da fêmea pelo macho) esteja em desuso. Evidentemente, é de uma grande parvoíce tal assertiva, pois a confecção de pratos coloridos, saborosos e, evidentemente, nutritivos, do homem para a mulher é, no mínimo, sinônimo de boa educação, além, é claro, de servir a objetivos tão nobres quanto o de alimentar, que sejam o de enamorar, de seduzir, de encantar e o de evitar que seres tão encantadores tenham suas delicadas extremidades superiores, vulgarmente chamadas de dedos, cheirando a alho ou com bolhas liquosas causadas pelos inevitáveis acidentes com o calor das panelas. Enfim, está escrito nas Tábuas de Abdalel, no item 14, alínea c: “faz o alimento para o corpo de sua amada, que dela receberás o alimento de sua alma”.
Assim, procede que o homem deverá ter como conhecimento essencial ao menos uma receita que provoque, em seu objeto de adoração: aumento dos batimentos cardíacos, dilatação das pupilas, discreto inchaço ao sul do continente, elevação da temperatura corporal, aumento da salivação e vontade de rodopiar pelo ar ao som do Bolero de Ravel. Evidentemente, a dança varia conforme a música, mas tem-se como parâmetro de qualidade gustativa o NRPS, ou número de rodopios por solfejo. O índice ideal, segundo estudos apuradíssimos do Instituto de Ciências Gastronômicas de Valverdianne, Escolávia, é de 52,876 rodopios por solfejo. Mas houve um caso no ano de 1937, no sul da Lituânia, em que uma jovem donzela se encantou tanto por um singelo bife ao molho preparado pela sua metade da laranja que rodopiou à incrível marca de 682 rodopios por solfejo, marca considerada imbatível e que recebeu a impressionante média de 10,6 pontos no levantamento das placas de pontuação pelos jurados, ainda mais impressionante pelo fato da maior nota possível a cada um ser 10, o que, apesar de certo estranhamento inicial, não obteve maior repercussão diante do espetáculo dos rodopios da jovem em questão.
Dá-se, então, que é preciso ter nas mangas não apenas abotoaduras mas, principalmente, uma receita. Simples que seja, como a obtida a duras penas por meu tataravô durante expedição às ilhas geladas da Rondívia, no século 18, e guardada debaixo de sete chaves no baú da memória da família e que será posta, na próxima quarta-feira, à disposição do mundo em nome da liberdade, da igualdade, da fraternidade e do bom andamento das relações entre os sexos e entre todos os povos

14/03/2008

07/03/2008

Minidicionário das Pequenas Grandes Coisas

Mulher: 1. fábrica de gente; 2. motivo da existência dos poetas; 3. melhor amiga dos sapatos; 4. indivíduo portador do sexto, do sétimo e do oitavo sentidos; 5. antônimo de fragilidade; 6. pequeno animal que se alimenta de sonhos; 7. melhor abrigo contra tempestades; 8. segundo a ciência, prova inequívoca da existência de um ser superior; 9. sinônimo de porto seguro; 10. o outro nome de alicerce; 11. maior ídolo das flores; 12. enigma que anda; 13. astro celeste que emite luz; 14. corporação internacional que domina o mundo, criada a partir de uma costela; 15. sorriso cercado de admiração por todos os lados; 16. inimiga mortal das bielas e rebimbocas; 17. inspiração de Graham Bell na invenção do telefone; 18. tribo caracterizada por pintar a boca de vermelho, camuflar freqüentemente os cabelos e guerrear valentemente sobre altos saltos; 19. talento na forma humana; 20. a mais adorável das coisas que ninguém entende. (Ex.: “Não é que eu seja menor, amor. É que você é mais, é que você é sonho, é que você é gesto, é que você é cor, é que você é pluma, é que você é céu. É que você é mulher, e isso basta para que seja mais.” - in Coisas de amor Largadas na Noite, A. Gonçalves).

04/03/2008

Menina de Eldorado dos Carajás - Pará
Foto: André Gonçalves.
Mais aqui.

03/03/2008

Novo

O que você faria se tivesse que enfiar dois dedos na garganta?
Nós, (eu, Pedro Jansen, Juliana Alves e Edson Costa) fizemos isso.

01/03/2008

As Várias faces de Jackie S. - Face 8 - A Colombina

Jackie vestiu os olhos de alegria e espalha pelo salão o cheiro de quem tem as asas tremidas pelo vento. “Engole, Jackie, engole o medo, que por quatro dias o mar é inteirinho seu, e o sal se fará leve e a dor só vai chegar quando desabar o cinza em sua cor”. Jackie enxuga a lágrima de um certo Pierrot, e ambos rodam pela noite flertando com o amor. “Samba, samba, coração! Explode dentro do peito, e deixa que a vida cuida das feridas e do sangue que escorre pelas frestas da tristeza”. Eis que surge o Arlequim, fantasiado de arco-íris. Pierrot vê que no olhar de Jackie o amarelo se assanhou, mas, pobre palhaço distraído, não entende que Jackie nasceu dividida em mil pedaços e que é ele, o amarelo, que desalinha o seu andar. Arlequim, o audaz, dispara flechas em forma de sorriso, que cortam o ar e arranham todos os sentidos de Jackie, que sente o mar se remexendo entre suas pernas como o mar costuma se remexer quando o horizonte desce para ser lambido pelas ondas. “Traz o céu, Pierrot, traz de novo o céu do seu olhar que o chão está se abrindo e o mundo está caindo e o desejo me coça a língua”. E fez-se assim o triângulo que usa máscaras para esconder a lealdade, e divide o sonho para não ter que descolorir o mundo como pede a realidade. Mas Jackie deixou tudo se acabar na quarta-feira, calçou de novo as velhas pantufas cor de rosa e despiu dos olhos a alegria, já rôta da folia. Arlequim, dizem, todas as noites dorme abraçado à lágrima que roubou de Pierrot. E o Pierrot, apaixonado, que vivia só cantando, por causa de uma Colombina acabou descobrindo que amor é amor, que dor é dor, que cor é cor, e a cada 365 dias arranca quatro do calendário e transforma saudade em confete e serpentina.