22/11/2007

O amor não acaba

“Acabou”.
Era assim, curto, seco, objetivo, direto, o título do e-mail que recebi de uma amiga muito querida no começo da semana. “Acabou”. Simples assim. Mesmo antes de abrir o mail já sabia do que se tratava. Resolvi esperar mais um pouco, sair da sala e dar uma volta pelo escritório. Preferi adiar um pouco a leitura, porque já sabia o que significava. Lembrei imediatamente da crônica do Paulo Mendes Campos. “Acabou”, em toda sua simplicidade, dizia o mesmo que o texto brilhante do cronista. Em três sílabas, toda uma carga de drama, tristeza, decepção, sentimento de fracasso e solidão.
O amor acaba. E, com ele, acabam sonhos. Acabam parcerias, acabam gestos, acabam olhares, acabam sabores. Acabam fins de semana felizes e noites de rock’n’roll. Quando o amor acaba, rompe-se um frágil fio invisível que faz, do eu e do você, um “nós dois”. E cada um volta a ser uma peça solta nesse enorme e disforme quebra-cabeças que é a vida. Em busca de um novo encaixe. Em busca do ajuste perfeito, sem rebarbas nem arestas.
Quando o amor acaba, morremos um pouco. De certa maneira, morremos mesmo. Porque deixamos de ser quem nos acostumamos a ser e voltamos a ser o que éramos de verdade. Quando o amor acaba, o relógio muda. O dia começa mais cedo ou mais tarde, nunca na mesma hora. A noite fica mais longa ou mais curta, mas nunca a lua brilha durante o mesmo tempo de antes. Quando o amor acaba, muda a cor do sorriso. Quando o amor acaba muda a cor dos olhos. Quando o amor acaba, baixa o tom da nossa voz.
”Acabou”. E assim, pensando no que acaba junto com o amor, abri o e-mail. E, lendo o que ela me contava, pensei que o amor deles, daquele casalzinho perfeito que sorria para mim na foto guardada em um e-mail anterior, na verdade acabou muito antes do que eles pensam. O amor acaba bem antes que a gente se dê conta. O amor acaba numa valsa recusada, o amor acaba e vai embora pendurado no biquíni cor-de-rosa da menina que passa, o amor acaba no silêncio maior que o regulamentar após a pergunta doce, o amor acaba no celular que treme na hora errada, o amor acaba na cama não desarrumada do sábado de madrugada, o amor na acaba no cabelo penteadinho, não desalinhado pelos dedos do ser amado. E, quando a gente diz “acabou”, na verdade é como se a gente tivesse, apenas, ido ao IML reconhecer o corpo do amor morto uma semana, um mês, um ano atrás. A gente diz “acabou” quando já sabia que vivo ele não estava, mas na vã esperança do ressucitar preferiu sorrir uns dias a mais sem nenhuma vontade, decidiu andar de mãos dadas, mas vestidas com as luvas da esperança, decidiu rodopiar pelo salão quando o que rodopiava era o pensamento.”Acabou” é, apenas, o sinal que o cérebro envia ao coração dizendo que ele está batendo no compasso errado e atravessando o samba da alegria que é amar em harmonia.
Minha amiga, muito querida, se diz triste. O amor que acaba é mesmo triste. Mas sejamos, sempre, otimistas, minha querida. Acreditemos que o que acaba é “um” amor. “O” amor não acaba. Transmuta. Perde a casca velha e seca e se pinta de vermelho. Se fecha no casulo do peito e, lá na frente, se faz borboleta. E, em um dia qualquer de janeiro, fevereiro ou dezembro, ou março ou abril, em um dia chuvoso ou quente, frio ou colorido, sob o arranha-céu ou o arco-íris, essa borboleta vai fazer ventar no seu estômago, fazer cócegas na língua e derreter o gelo ao sul do seu Equador particular.
E nesse dia, amiga querida, você vai me mandar um outro e-mail e o título, escrito em letras coloridas de verde e rosa, ou em vermelho verde e branco, vai ser tão curto quanto o que você me mandou outro dia. Mas vai dizer assim: “começou”.

07/11/2007

Aqualove

não pretendo um amor sólido
tendo em vista a grande possibilidade de um sólido se romper à menor mudança
de temperatura
de pressão.
pretendo um amor líquido
que se adapte a qualquer recipiente
e, sorvido em grande goles,
molhe os lábios
escorra pelo pescoço
e umedeça os países
ao sul do continente.
líquido, para que, aquecido,
evapore
suba ao céu
chova sobre mim
encharque o chão
tire essa tal segurança de debaixo dos meus pés
deixe lama entre meus dedos.
não pretendo um amor assim, concreto,
não pretendo um amor assim, rígido,
não pretendo um amor, assim, sólido
mas líquido
incerto
insólito.
e se uma frente fria vinda diretamente da Patagônia
torná-lo gelo,
frio,
pedra,
que baste deixá-lo ligeiramente exposto ao seu olhar
e ele, regredindo a seu estado original,
volte a matar essa sede
amiga, inseparável, do sertão
de nós.

06/11/2007

As Várias Faces de Jackie S. - Face 5 - A Alquimista

O azul do mundo desaba sobre os olhos de Jackie. Não mais cinzas, não mais sombras dando cotoveladas em seu peito, não mais noites corroendo seus pés. O abismo que separa o mundo conhecido do além-mar é vencido por sobre o fio ácido e rubro da navalha. Asas, brancas, imaculadas como as certezas dos sem-convicção, farfalham ao vento e espalham o perfume dos sorrisos. “Noite, noite, tão grande e triste e negra
noite, abre-te em luz porque a cor nasceu e bate fundo dentro de mim”. E tão grandes são as cores, e tão menores suas dores e tão presentes seus amores que Jackie abre os braços e fecha os olhos e abre os ouvidos e fecha as mãos e aspira o dia e se atira, nua e serena, do alto da colina dos seus pânicos, em direção ao quem sabe. “Verdade? E o que é a verdade? A verdade é o outro lado da ausência, e quem não a vê sabe que ela há e é, mas não pode olhá-la dentro dos olhos”. E o vento ganha músculos, e o aonde ganha corpo, e o nunca fica um dia de viagem mais perto do agora. Chove, e Jackie se apressa para buscar o chapéu que um sopro, que usa a estranha alcunha de jamais, um dia arrancou do seu cabide.

05/11/2007

Manifesto por um sanduba fotograficamente compatível com a realidade

Hoje fui comer em um dos shoppings da cidade. Sabe como é, dia de pagar contas, tempo corrido, etc, etc, etc... Parei ali, num fast-food desses, novo, e espiei lá o cardápio, olhei pras fotos penduradas na parede e escolhi meu cheese-qualquer-coisa com refri-zero.
Sete minutos depois (quer dizer, fastfoodíssimo pra caramba, né?) vem meu sanduíche.
E eu, que esperava um sanduba Gisele Bundchen, recebi meu cheese-Preta Gil.
Olhei de novo para a foto e ia perguntando onde estava o pão fofinho e a carne suculenta, ao invés daquela coisa disforme e estranha que me tinha chegado. Parecia que um caminhão betoneira tinha passado por cima do tal.
Mais?
Pedi meu refri-zero, que deveria vir no copo. Exatas dezenove tentativas depois a mocinha diz que a máquina não está funcionando e, educadamente, pergunta se eu posso pagar mais trinta centavos e pegar uma latinha. Como não era meu William Foster’s day, respirei fundo, paguei os trinta centavos e aceitei.
Quando, minha nossa senhora das gorduras saturadas, vou conseguir comer um reles sanduíche que seja igual ao da foto? É pedir muito?
Dessa vez, no names. Da próxima, nomes e fotos.
Se você tiver uma experiência dessas, mande sua foto também. Comedores de sanduíches de todo o mundo, uni-vos!
Ia esquecendo: além de feio, ruim. Gororoba-salad. Cheese-shit.
Argh.