28/04/2005

De Sofismas e Traseiros

Não é algo exatamente original afirmar que, de alguma forma, nós, publicitários, somos uma versão sofisticada, revista e atualizada dos antigos sofistas. Aliás, não custa lembrar que as palavras "sofística" e "sofisticada" têm a mesma origem, do grego "sophistezai", que significava "ficar sábio", "enganar". Mas, com o tempo, sofisticar, que significava "complicar", "retirar a naturalidade", passou a ser usado no sentido de "destacar pelas finas qualidades". Mea-culpa, mea-culpa, mea máxima culpa. Os sofistas gregos eram homens sábios e talentosos que, por interesse financeiro, usavam de sua sabedoria para ensinar aos interessados em ganhar projeção na então iniciante arte da política, com o uso da dialética e da persuasão. Górgias, um dos mais significativos representantes dos sofistas gregos, dá um bico na moral e ensina que é preciso vencer o adversário, seja a causa justa ou não. Declara que sua arte produz a persuasão que nos move a crer sem saber, e não a persuasão que nos ensina sobre a natureza do que se pretende saber. Parece complicado? Não é. Quer dizer, em linguagem de gente, que um sofisma é uma verdade montada para vencer e convencer alguém. Não uma verdade palpável e concreta.
A propaganda, de certa maneira, inseriu, em sua conceituação, procedimentos éticos e morais que, mesmo fazendo dela algo que lembra a sofística, a afasta do lado negro da sabedoria. Mas ainda é parte integrante da propaganda, de forma subjetiva, o conceito de que é preciso destacar o lado bom das coisas a serem divulgadas e, se não mentir e esconder, tornar irrelevante o aprofundamento sobre um objeto, já que, a princípio, tudo pode ser contestado. Isso nos faz um símbolo da nossa era. Simplificamos ao máximo conceitos, criamos em frases simples e curtas verdades que são aceitas por milhões de pessoas por conta da repetição da mensagem, da força da televisão e da "mídia" que, hoje, é mais do que algo abstrato e conceitual: é tão presente e poderosa que imaginar que ela não está por aí é como acreditar que, por não podermos ver o ar, ele não existe.
Mas é preciso cuidado. A simplificação de conceitos e verdades pode levar a erros banais. Os deslizes de nosso presidente parecem ser um exemplo de como a simplificação exagerada pode levar a afirmações que beiram o ridículo. Talvez assessorado por algum neo-sofista/marketeiro, Lula afirma que o brasileiro paga juros altos por não ter coragem de levantar o traseiro das cadeiras dos botequins para procurar juros mais baixos. Não apenas foi deselegante e deseducado como criou algo próximo de um sofisma. Aliás, de baixíssima qualidade. Culpar a preguiça e as partes carnudas e globosas dos brasileiros pelas taxas que o próprio Governo Federal estipula e que estão entre as mais altas do mundo beira a irresponsabilidade. Não me parece que haja uma relação direta entre bundas e juros, a não ser a cara que a gente faz ao pagar nossas contas ou o aparente eterno desejo dos governantes em botar algo em algum lugar do povo.
Lula, o meu Presidente, precisa parar de querer jogar para a platéia e ver se, de uma vez por todas, bota o dele na cadeira e vai arrumar um jeito de se aprofundar nessas questões para poder dizer coisas mais sensatas. Ou, então, o dele é que vai acabar descobrindo o que é levar uma "pezada" do povo brasileiro.

20/04/2005

Mas Será o Bento ou o Benedito?

O novo papa já chega mostrando que tem capacidade para ser um dos mais polêmicos de toda a história: afinal, seu nome será Bento ou Benedito?
Nem todo mundo ficou satisfeito com a escolha de Joseph Ratzinger para o próximo pontificado. Mas alguns bateram palmas. Chico Bento jogou o chapéu para cima e deu um beijo na Rosinha: agora vai ter um homônimo famoso. Rubens Barrichello adorou e, ao que tudo indica, vai pedir a interferência da Ferrari para uma audiência com o novo Papa. Pretende beijar a mão de um alemão sem que isso levante nenhuma suspeita de maracutaia ferrarista.
Brincadeiras à parte, o certo é que Ratzinger, ou melhor, Benedito, ou melhor, Bento XVI, já chega causando arrepios. Primeiro, é alemão. Um alemão que, obviamente, não bebe. E um alemão que não bebe é, no mínimo, algo que deve provocar alguma suspeita. Em sua biografia consta uma passagem pela Juventude Hitlerista, uma organização paramilitar dos nazistas alemães. Mesmo com a justificativa de que tal alistamento era obrigatório e a afirmação de que seu (dele) pai e ele eram contra o nazismo (tanto que o jovem Ratzinger desertou), isso constitui um certo problema na relação com os judeus. Ponto para a polêmica e para os calafrios.
Mas o problema mesmo é na reconhecida postura conservadora de Ratzinger que, acredita-se, deve ser mantida agora que ele se torna Bento XVI. O novo sumo-pontífice coloca-se frontalmente contra os principais motivos de discussões no mundo de hoje. Tido com um dos maiores guardiões dos dogmas do catolicismo atualmente, segundo os especialistas, o Papa Bento XVI declara: "A igreja classifica os casamentos homossexuais como imorais, artificiais e nocivos". Ponto para a discórdia. Outra frase: "A Igreja Católica é a mãe de todas as igrejas cristãs. Por isso, outras igrejas não devem ser consideradas 'irmãs' da Igreja Católica". Mais um ponto para a discórdia. Bento XVI também se declarou contra o aborto, a pesquisa das células-tronco, a eutanásia e, até, contra o rock e a música pop. Afirmou que as denúncias de pedofilia eram uma orquestração contra a Igreja Católica. Enfim, se o mundo queria problemas a serem administrados em uma época onde alguns conclamam as Guerras Santas, está aí um prato cheio deles.
A primeira impressão do novo Papa não pode ser levada em conta. Não parece ser carismático e midiático como João Paulo II que, mesmo conservador, aparecia aos olhos do público com jeito simpático e, até, bonachão. Mesmo conservador, Wojtyla dava a impressão de que era um defensor dos dogmas, mas não um ranzinza, o que amenizava um pouco seu posicionamento. João Paulo II, apesar de suas defesas dogmáticas, abriu conversações com outras religiões e pregou, de alguma maneira, uma postura ecumênica no mundo em defesa dos Direitos Fundamentais do Homem.
Pois aí está o novo Papa. Que, além de todos os desafios que o mundo moderno e seus avanços produzem todos os dias, vai ter de se equilibrar entre seu aparente excesso de Severinismo, ou melhor, conservadorismo, e a necessidade de integração, de compaixão e de entendimento entre os povos, independentemente de sua crença. O mundo espera que ele não seja tão fechado e ranheta quanto estão pintando. A paz agradece.

18/04/2005

A Não-Bela e a Fera

(publicada no Caderno Metrópole do jornal O Dia, de Teresina, em 17 de abril de 2005)

Poucos casais são tão harmoniosamente desprovidos de harmonia estética quanto Charles e Camila. Ter os dois como Príncipe e Princesa do Reino Unido chega a ser, de certa forma, um chute nos países baixos das convicções sobre o que é o amor, adquiridas através dos contos de fadas onde lindas mocinhas brancas e loiras são resgatadas das garras de dragões ferozes por belos, altivos e imponentes herdeiros de um trono qualquer. Dessa vez, pelo menos aos olhos dos que vêem a vida pelo lado errado do binóculo, o príncipe matou a princesa e levou o dragão para, juntos, viverem felizes para sempre no Castelo de Windsor. Pura miopia. Vista pelo lado certo do binóculo, a estória de Charles e Camila pode ser, sim, um conto de fadas muito mais do que moderno: quase de vanguarda. E exemplar sobre as verdadeiras relações.
Charles, mesmo sendo uma espécie de patinho feio da realeza mundial, é um príncipe. Certo, de uma monarquia meio caída, pelancuda. Mas realeza, convenhamos. Assim, poderia se dar ao luxo de ter tudo o que quisesse. Hoje em dia se compra tesão, se compra ereções "firmes como rocha", se compra seios, bundas, sorrisos e, sabe lá, amor verdadeiro. Charles tentou, até. Casou-se com a jovenzinha linda e doce, que virou xodó mundial e, ao que parece, era doce demais para ele. Charles, ao que parece ainda e, acredito, Freud até explica, queria ter ao seu lado menos doçura e mais força, menos candura e mais ranger de dentes. Queria uma mulher que não fosse um bibelô, mas que o desafiasse de alguma forma. Ele, um príncipe da Inglaterra, não precisava de alguém submisso. Bem, se sua Lady Diana não era exatamente submissa, parecia. Sir Charles precisava de alguém que fizesse seu coração bombear seu sangue azul bem mais depressa. E isso só aquela anti-belezura da Camila conseguiu. Tanto que, mesmo depois de muitos anos, de escândalos, de piadas em todo o mundo e de noites e noites de telefonemas, encontros e desejos furtivamente saciados, Charles leva sua amada para o castelo, senão o de Windsor, pelo menos o castelo construído pelo seu amor. E o que isso tem a ver com vanguarda, beleléu? Justamente essa capacidade de assumir que se ama alguém fora dos padrões. De se passar por cima da estética, da aparência, da valorização exacerbada do parecer. Na verdade, é preciso ser e ter. E não apenas parecer amor. Isso é amor de vanguarda. Porque amor, hoje, para a maior parte das pessoas, é o parecer que é. A impressão que se tem de Charles e Camila, meio que corroborada pelo episódio telefônico do tampax, é que eles, em toda a plenitude da sua desbeleza, se chutam, se chamam de chihuaua e se jogam na parede. E estão pouco se lixando. O amor de Charles e Camila, seja por necessidade ou por ser amor, mesmo, sobreviveu a muitas e muitas intempéries nos dias nublados que teimam em pairar sobre Londres. As pessoas querem amar apenas em dias de sol, onde tudo é mais fácil, mais luminoso e caliente.
O amor de Charles e Camila é bonito, por ser discreto e pouco espalhafatoso. Parece que é amor, mesmo. Até prova em contrário, é o amor que, à maneira dos contos de fadas, vai acabar com um grande letreiro "e foram felizes para sempre". Eles são lindos.

O Pop Star da Fé

(publicada no Jornal O Dia, de Teresina, no dia 10 de abril de 2005)

Tenho quase que convicção de que João Paulo II foi a pessoa mais fotografada do milênio. Mais do que Lady Di, mais do que Ronaldo Grávido Fenômeno, mais do que Marilyn Monroe. Se algum dia fizerem uma pesquisa séria sobre isso, aposto que dá João Paulo II em primeiro lugar. Afinal, foram 26 anos liderando uma das maiores instituições do mundo e seus mais de um bilhão de fiéis.
Alguns criticaram um suposto excesso na cobertura da imprensa mundial na morte de Wojtyla. Outros criticaram o Vaticano pela demora nos funerais, ou por certo exagero na exibição do sofrimento e do corpo sem vida do Papa Peregrino. Não podia ter sido diferente, lá vou eu discordando de tanta gente outra vez.
João Paulo II não era, simplesmente, um Papa. Era o Papa da Mídia. Wojtyla foi alçado à condição de sucessor de Pedro, o Pescador, no fim dos anos 70, quando o mundo conheceu a Revolução da Comunicação, a explosão da mídia e da Internet. Para muitos, talvez a grande maioria da população mundial, João Paulo II era "O" Papa. Poucos tinham visto um antes dele.
Sua biografia parece ter sido criada por um roteirista, de tão perfeita para um mito. Foi pobre, ficou órfão aos nove anos, sofreu na II Guerra, era esportista e foi até goleiro (o que mostra que, desde jovem, acreditava no sofrimento como expiação dos pecados). Tudo em Wojtyla o faria o mais midiático dos papas. Sua eleição em meio ao trauma da morte de dois antecessores em um mês. O fato de ser polonês, em plena Guerra Fria. O atentado em meio à multidão e gravado em vídeo. O perdão ao atirador. O beijo no solo de cada país, nunca antes visto. As multidões que o acompanhavam em cada viagem. O posicionamento contra o comunismo. Sua capacidade de falar na língua de cada povo. Sua postura obviamente conservadora, contra o aborto e a camisinha em plena era da AIDS e da afirmação dos direitos dos homossexuais, que ajudou a acender muitas polêmicas. O pedido de perdão pela Inquisição. Sua doença pública. Sua agonia. Tudo, tudo fazia de Karol Wojtyla, que já tinha sido ator, o pop star da fé, o John Wayne da Igreja. Engana-se quem reclama da cobertura dada aos seus funerais. Nada mais natural que o último ato deste espetáculo de competência midiática termine em uma grande apoteose, junto ao seu público fiel e devotado. Até porque, na verdade, praticamente todos os ritos foram seguidos como sempre foram. A diferença é que nunca foram transmitidos ao vivo nem pela Internet, como agora. E o avassalador número de fiéis que foram ao Vaticano é fruto da competência e do carisma de Wojtyla.
É difícil perceber quando se está dentro de um fato histórico, que tem, quase sempre, a aparência de uma banalidade ou uma chateação para quem o vive. Quem assim pensa deveria mesmo era aproveitar este momento para descobrir quem era, o que pensava, o que representava alguém capaz de gerar tanta controvérsia e tanta admiração. Admire-se suas idéias e posições ou não, João Paulo II é um dos maiores símbolos do que a compreensão do que é gente, do que é comunicação e do que o saber como usar a comunicação para chegar às pessoas pode fazer.
Agora, os cardeais reunidos no Conclave têm uma missão muito, muito mais árdua do que escolher outro papa. Eles têm de escolher um novo mito. Não vai ser fácil.

Quero Ser John Malkovitch

Diogo Mainardi é um chato. Muito. Mas eu gosto do Mainardi. Gosto de pessoas chatas. Pessoas chatas como o Mainardi são importantes para a vida. Gente chata é uma dádiva. E o Brasil precisa de um Diogo Mainardi. Nem que seja pra gente detestar ele. Ele é pago pra isso. Pra ser detestado. É pago para ser chato e receber centenas de cartas. A maioria dizendo que ele é chato. Ou seja: ele é pago pra um monte de gente, que não tem o que fazer, ter o que fazer escrevendo pra dizer uma coisa que ele e todo mundo já está cansado de saber.
Diogo Mainardi disse que vai deixar de falar do Lula. Não sei porque. É bom quando ele fala do Lula. Principalmente quando ele critica o Lula. Mais ainda quando ele fala um monte de bobagens sobre o Lula. O Lula precisa do Diogo Mainardi. Assim como Michael Jackson precisa de escândalos. Penso em fazer um abaixo assinado exigindo que Mainardi só fale do Lula. Não sei bem quem é criador e criatura. Na verdade acho, até, que quem paga o Mainardi é o próprio Lula. Não sei. Pode ser. Deve ser. Mainardi deve ser funcionário do Planalto. Deve ter algum tipo de mordomia. Deve estar em todos os churrascos. Deve jogar futebol com o Demônio de Garanhuns. Deve até ter sido Mainardi quem criou o Demônio de Garanhuns. Deve ter cortesia no Luxosão. Luxosão é a nova versão do Sucatão. É o outro nome do Aerolula. Acredito que deve ter uma poltrona especial pro Mainardi no Aerolula. E uma caixa de charutos. E de vez em quando eles viajam juntos e combinam tudo.
Mainardi diz que cansou porque o governo do Lula é um filme vagabundo. E que fez tudo o que fez porque via o governo Lula como se vê um filme B no cinema. Vaiando, assobiando e jogando pipoca pra cima. Que filme vagabundo quanto pior melhor. De certa forma, ele tem razão. Não concordo quanto ao governo. Mas filme vagabundo se vê é assim mesmo. Achando graça dos defeitos especiais. É bom ver um filme vagabundo de vez em quando. Diverte. Mas quem grita em cinema é mal educado. Quem assovia e joga pipoca pro alto é sem educação. Isso é coisa de menino mimado. Mainardi deve ter sido um menino mimado. Não levou tapa na bunda. E é mal educado. Mas eu gosto dele. Gosto de meninos malcriados e chatos. Porque a gente aprende como não se deve criar um filho. E de vez em quando dá um peteleco na orelha dele. Do malcriado, não dos filhos. A não ser que sejam malcriados. Esse é meu peteleco na orelha do Mainardi. Um cascudo. Pra deixar de ser malcriado e chato.
Não perco uma coluna do Mainardi. Ele nem sabe que eu existo. Provavelmente, se souber, não vai mover um músculo. Não vai mexer a pálpebra esquerda. Se ele deixar de falar mal do Lula, não vou mais ler a coluna dele. Vou ser o Mainardi do Mainardi. Vou ser chato como ele, mas me dirigindo a ele. Vou pedir entrevistas que ele não vai me conceder. Vou mandar a G Magazine com o Clodovil na capa pra ele. Não escrevo tão bem quanto ele, mas vou escrever cartas para ele. Mandar e-mails pra ele. Vou atazaná-lo. Ele vai ser o meu bordão. Vou copiar o jeito dele escrever. Não sei se isso é bom ou ruim. Mas vou fazer. Dane-se.
Eu adoro o Mainardi.