12/08/2009

Ontem eu e ela fomos a um evento da faculdade sobre a não-obrigatoriedade do diploma para o jornalismo, essas coisas. Fomos só para assistir. Ela, a favor do fim da obrigatoriedade, não foi chamada para a discussão. Mas nem é esse o assunto do post. É que, ao final do evento, duas mocinhas vieram nos entrevistar para o jornal da faculdade. Duas estudantes simpáticas e sorridentes e interessadas. Aí perguntaram para ela alguma coisa. Ela, como sempre, respondeu brilhantemente. Aí a outra disse para nós que estava meio emocionada de entrevistar a gente porque eu sou “meio assim, um ídolo” para ela e para turma dela. Há. Ídolo, eu. Achei uma graça e achei engraçado. Mas sorri amarelo e esperei a pergunta. Que veio, tradicional aqui. Quase um prato típico da região, essa pergunta. Para quem não sabe, moro em Teresina, Piauí. Então, sempre que a gente ganha um prêmio, essa pergunta aparece. Sei de cor. Desta vez, precedida por algo como “como você escolheu a profissão”. Respondi que não escolhi a profissão, que fui escolhido por ela. Não é frase feita, não. É que não tive opção, mesmo. Fiz a única coisa para o qual estava capacitado a fazer e que não me exigia certificado nenhum, além de meus textos. E que, talvez até por não ter tido opção, o fato de que em minha profissão não há obrigatoriedade de diploma me tenha tornado melhor profissional. Porque fui obrigado a ser bom no que faço, modéstia noves-fora. E aprender na marra. E só hoje, depois de alguns+alguns+alguns anos de atuação, consegui freqüentar uma faculdade, que está me dando um lado que eu não tive: método, rumo, norte e gente pra debater. E, quem sabe, possibilidades teóricas de ser um pouco mais, no futuro. E que talvez por isso eu não seja a favor da obrigatoriedade. Mas ainda nem é essa “aquela” pergunta. Que é mais ou menos “como você se sente ganhando prêmios, mesmo vivendo numa cidade distante de tudo, onde tudo é mais difícil”? Viu, como é um prato típico da região? Aí, né, fiz o que decidi fazer nos últimos meses. Até porque se ela disse que sou “assim, meio ídolo”, tenho de ter postura de alguém que é "assim, meio-ídolo". E cutucar. E então eu perguntei que dificuldade era essa. Porque, hoje, a gente liga a tv e vê a mesma programação que se vê em todo lugar, que a tv a cabo tem canais do mundo inteiro, que na internet você acessa sites, blogs, facebook, orkut e twitter, como o mundo inteiro. Que você pede livros em qualquer livraria do mundo, e baixa MP3 e pdf free na hora que quiser. Mozart, Rachmaninoff, Bonde do Rolê e Sepultura. Sartre, Cora Coralina e Peter Pan. Que distância é essa, então? Existe ainda, mesmo? Onde é, esse tal de “longe”? E que por isso eu não sentia nada em relação a isso, a não ser que ganhar prêmios aqui é uma forma de mostrar que essa distância é um álibi. (Claro que sei que não é exatamente assim, mas é muito assim). Talvez a palavra nem seja álibi, porque essa cultura, esse sentimento, é empurrado goela abaixo da gente dia após dia. Mas, vá lá, fica como um álibi involuntário para a acomodação e a falta de iniciativa. E blá. Eu entendo que é mais complexo. Mas tem de mexer com esse povo. Quebrar o discurso. Interromper esse fluxo burro que é imposto sobre a meninada por quem domina e para quem, na hora de comprar seus mimos e passar o fim de semana com ares de madame e madamo, lugar nenhum é longe. Não podemos deixar meninos de vinte anos dizendo que não fazem nada bom porque aqui não presta. Onde presta? Há 40 anos era mais difícil. Mas já se fazia. Tanta gente fez. Tanta gente boa. Então. Chega de discurso burro. Não é difícil nada. Aqui não é longe de lugar nenhum. Aqui é aqui. Para quem está lá, aqui é longe. Para quem está aqui, longe é lá. Então. Qualquer lugar é longe quando se usa uma viseira daquelas, de cavalo. Eu sei, eu sei. É mais que isso, um pouco. Não é só assim. Mas tem de começar por algum lugar. Você sabe. Otimismo é meu outro nome.

5 comentários:

Anônimo disse...

uma mentira quando é contada várias vezes as crianças acreditam que seja a verdade.
Alguns já faziam muito bem e talvez tenham cansado de mostrar pois há muitos cegos para reconhecer.
Belo texto.

Márcio disse...

Eita André, nos tempos pré-internet era difícil mesmo conseguir "musculatura cultural" sem ter que gastar muuuuuita grana. Lembro do Torquato se queixando que aqui não passava "nem um filme do Godard". Esse "álibi" não se sustenta mais.

Permanecemos isolados, porém, quando precisamos de deslocamento físico. Veja que numa cidade de semelhante [v.g., Cuaibá] há voos sem escalas irracionais e mais fluxo de "gente de fora". Nossos intercâmbios restringuem-se à Fortaleza/Brasília/SP. É pouco. Para mais, é torrar grana que poderia ser melhor aproveitada se estivessemos em melhor localização.

Sam disse...

Eu tava aqui, passeando por teus textos e fui parar no Cine Pathe de tempos atrás. É q eu precisava reler o texto sobre a Miss Sun Shine. É q eu precisava relê-lo depois de ter conhecido a Carol, a Rafa, sua mãe, Marília, seu avô na fotografia (mas tão presente) e tanta gente q vai na sua combe. É q eu precisava me ver na sua combe. E eu fiquei feliz. E acho q agora entendo melhor quando vc diz q eu ia lhe conhecer melhor. E estou sentindo uma vontade danada de empurrar a combe. E de pular dentro dela. Awow.

Tam. disse...

passei uma hora pensando em um longo discurso pra escrever sobre seu texto. Porém, vc já disse tudo. Me revolto quando falo de Teresina, do Piauí, e as pessoas falam: ah, mas lá a vida é tão difícil! Daí que os meus amigos MAIS inteligentes são piauienses. E os melhores professores também. E os maranhenses aqui tem esse problema de que piauiense só vem pra cá pegar suas vagas em concursos. E daí que são piauienses que conseguem(mesmo morando tão longe e num lugar tão difícil de viver) os primeiros lugares?lutaram por isso, merecem isso. Me revolta essa idéia besta. E eles são tratados mal por aqui, só por serem piauiense. E ainda tem gente que acha que só há miséria e fome no Piauí. Daí eu fico com vergonha de morar aqui, porque eu ADORO piauiense, e acho tão inteligentes!
falei.

Cíntia Paz disse...

André, vc é demais!!!!
Seu post fez com que eu lembrasse de uma música de Gilberto Gil, chamada Parabolicamará. Seu texto, verdadeirissímo é tão bom quanto a letra da música e como se complementam, no meu ponto de vista.
Cada dia me vejo mais sua fã...rs

Abraço