29/01/2008

Autobiografia não autorizada de Maria Quem – Tiro 3

Minha mãe, que chamava Edilene e era puta, chegou na Passarinha aos quinze. Olho roxo, trouxa nas costas, sandália havaiana e arrastando um farrapo que, dizia Meire Elen, a dona da Passarinha, era o que sobrava da vida dela. Um farrapo cor de rosa, manchado de azul e com cheiro de naftalina. Meu avô, pai da minha mãe, era crente da boca pra fora e filho da puta igualzinho ao meu pai da boca pra dentro. Ele descobriu que ela perdeu o cabaço e meteu a mão na cara dela, o pé na bunda dela e a boca no mundo, gritando da janela pro bairro inteiro ouvir “essa cadela é uma ímpia e só faço a vontade do Senhor: se queres cair na vida, que a vida caia sobre Vós”. Meu avô, pai da minha mãe, inventava coisas e dizia que elas estavam na Bíblia, só que ninguém nunca achava. E era tão filho da puta, tem dias que penso até que mais filho da puta que meu pai, que quem contou pra ele que minha mãe tinha perdido o cabaço foi a Gorete. Gorete era casada com o Gonçalo do Peixe, mas tinha um caso com meu avô, o pai da minha mãe. E quem comeu minha mãe foi o marido dela, o Gonçalo, e ela, pra se vingar, contou pra ele, meu avô, que primeiro quis matar o Gonçalo mas lembrou que o Gonçalo já tinha puxado cana por ter matado um outro amante da Gorete e preferiu descontar na minha mãe. Meu avô, além de crente da boca pra fora e filho da puta da boca pra dentro, era covarde. Mas minha mãe não. Minha mãe tinha coragem. E se era pra sair pra vida, ela saiu. Minha mãe, que chamava Edilene e era puta, chegou na Passarinha. Aos quinze. Olho roxo. Trouxa nas costas. Sandália havaiana. E arrastando um farrapo. Que, pensando bem, Meire Elen tinha razão: o farrapo era o que sobrava da vida dela. Um farrapo cor de rosa, manchado de azul e com cheiro de naftalina.

13 comentários:

Mia disse...

Meu Deus!!!! Coitada da Maria Quem!!! Hm, essa estória me é muito familiar... isso existe no nosso paí mesmo? Rsrsrs ¬¬
Adoro!

Anônimo disse...

Meu nome é Josélia Mara Viana Neves, Josélia que era pra ser José e Mara que era certim Maria. A ordem também era outra, Maria José. Nome da mãe, da minha. beijo.
adorei a Maria.

Beto Slomka disse...

Rapaz
tá ficando ótimo esse texto
o que mais tem nesse país afora é velho filho da puta metido a moralista. O pior é que ainda tem muito.
Continue, continue...

J. disse...

a experiência boa de ler uma narração sua se repete. não sei se suspeito errado, mas se bobear isso vira livro.

[e eu aqui pensando em te fazer um convite literário... haha vou deixar pra depois... :D]

Anônimo disse...

adoooorei a pobre da maria andré, isso da um livro!!!
parabens, beijos

Anônimo disse...

salut, andré!
voltei voltando e trazendo um meme pra ti. é bacana, senão não passaria. se quiser passar adiante, legal!

f. disse...

sensacional. e seu comentário lá em casa me deixou emocionada, obrigada.

Anônimo disse...

Maria Whooo!
Se rolar o filme eu quero participar =p.

Anônimo disse...

Genial, como tudo que você escreve (quase que eu escrevo "como tudo que você faz"huahuahuaha, aí eu ia estar mentindo!!!)Vou acompanhar, quem sabe dar palpites. Beijo. Priscilla, Rua Monte Simplon.

Anônimo disse...

Tô louca pra ler o Tiro 4, e o 5, 6,7........

Anônimo disse...

Maassa!

procure zmaro sobrinho disse...

parabéns pelo blog.
te encontrei por acaso, gostei e tenho passado sempre por aqui.
gosto muito do jeito que escreve e por isto agradeceria se vc pudesse me dar algumas dicas e/ou opniões sobre meu site (www.PobreVirtual.com.br)

se precissar de algo, estou a disposição

Rosa Magalhães disse...

Você escreve com uma leveza, a gente lê assim, num estalo! O diabo é que o texto acaba e a gente fica querendo mais... Beijão procê.

(www.odamae.zip.net)