31/08/2006

Quando o Carteiro Chegou

Há algum tempo conversei com uma pessoa, lá pelos seus vinte e dois, vinte e três anos, que me disse nunca ter recebido uma carta.
Uma carta, daquelas, de verdade. Escrita à mão, com caneta ou lápis, colocada dentro de um envelope com as bordas listradas em verde e amarelo. Com selo ou, pelo menos, um carimbo dos Correios. “Só recebo cobrança e mala-direta”, disse. Ainda arrisquei: nem carta de amor? “Nem carta de amor; já recebi e-mails apaixonados, e-mails de amor. Mas carta, nunca”.
Observando melhor, dá pra percebr que temos criado uma geração que nunca recebeu ou vai receber mesmo uma carta. E que nunca vai saber, por exemplo, qual o prazer que se extrai de, vez ou outra, assim, de dois em dois anos ou quando o coração aperta, tirar do fundo do armário uma caixa velha de sapatos e mergulhar em um passado com cheiro de papel e letra desenhada. Tudo agora está na caixa de e-mail. E todos os e-mails têm a mesma cara, o mesmo inodor, a mesma cor. Obviamente, aqui e ali alguém escreve com letrinhas coloridas, ou com fundinhos saltitantes, ou assina com nomezinhos engraçadinhos ou frases de autores consagrados. Mas são todos iguais. Estupidamente idênticos, por mais díspares que sejam seus conteúdos.
O e-mail iguala todas as emoções. A entonação do e-mail de amor é absolutamente igual à do e-mail de “enlarge your penis”. O cheiro do e-mail de despedida de um casal recém-desapaixonado é o mesmo de um que mostra a mais nova oferta da loja tal em máquinas fotográficas digitais. Todos os e-mails são assustadoramente idênticos, depois de lidos com o distanciamento dos dias.
As cartas não. Cartas têm alma. Têm aura. Têm a cor do sentimento. Cartas de amor têm um cheiro específico, principalmente se o remetente for daqueles que possuem o delicado hábito de pingar, em algum cantinho do papel, uma gota do seu perfume, para que o destinatário possa lembrar do aroma que tomava conta do mundo no último encontro. Cartas de rompimento são secas. Normalmente, em papéis grosseiros. Letras ásperas. Frases terminadas em pontos fundos. Normalmente, inclinadas para direita, pela pressa em dizer que o fim foi ontem e que o amanhã já não é mais.
Cartas de amigos sorriem. Cartas de mães são lenços brancos. Cartas de avós têm gosto de bolo. Cartas de filhos vêm acompanhadas de sons de criança, independentemente da idade. Cartas anônimas vêm com vinhetas do plantão do Jornal Nacional. Cartas, no fim das contas, são seres vivos. E são para sempre.
Está certo que antes era tudo muito lento: escreve, envelopa, anda meia hora para ir à agência, dois dias (otimistamente falando) depois a carta chega ao destino, uma semana (quando se tem resposta) chega outra de volta. Hoje, tudo é agora. Ótimo que se queira ganhar tempo, apressar amizades, aproximar e diminuir cada vez mais as distâncias. Tenho ótimos amigos e amigas cuja amizade, basicamente, começou via e-mail. Posso trocar com eles 200 e-mails por dia. E eles me fazem, sim, feliz. Mas a caixa de e-mails enche, o computador “dá pau”, e as palavras vão para o limbo dos e-mails. Cartas, não. A gente guarda nas gavetas, do armário e da alma.
Triste esse mundo onde não recebemos mais cartas. Porque é nisso, ou talvez ou certamente não, quem sabe, que está uma explicação para quase tudo que está havendo no mundico hoje em dia. Na falta da proximidade, da intimidade, da ansiedade, da paciente espera, da alegria, do prazer do verdadeiro encontro que uma carta de verdade proporciona.
Nessa ausência, um tanto simplória, está a ausência de quase tudo que realmente interessa, e a presença de quase tudo que é absoluta e desprezivelmente irrelevante.

3 comentários:

Anônimo disse...

eu vou ler. mas não agora porque meu irmão tá no pc. mas só pra avisar: você viu isso aqui?

http://www.piauiquenaosevende.blogspot.com/

[adorei a foto no jornal]

Anônimo disse...

tb ja comecei algumas amizades por e-mail...mas as cartas...aaaahhh,as cartas são realmente mágicas...ja recebi e já enviei,n muitas,mas todas especiais.
lindo texto!

Anônimo disse...

me manda uma carta!!

;)