10/02/2006

A Idade do Lobo

Envelhecer é bom. Pode parecer estranho alguém dizer isso, e são poucos os que já ouvi, mesmo, fazerem essa afirmação. Pelo contrário. Quase todo mundo diz que envelhecer é uma lástima. Uma praga. Um castigo. Pois acho esse tipo de visão de uma tolice constrangedora. Você aí, que tem seus vinte e poucos anos, cabelinho de príncipe chato de conto de fadas e quase nenhuma ruga nos olhos, pode acreditar. Envelhecer é bom. Mesmo. Está certo que o corpo já não responde a certos comandos cerebrais. E é evidente que isso incomoda um pouco. Aqui e ali um e outro desgaste nas peças vitais nos dão a certeza de que é impossível viver com tranqüilidade sem um bom plano de saúde, e que é bom pensar em fazer amizade na mesa de um bar com um geriatra, pra tentar algum privilégio na fila de espera. Mas, em compensação, a vida nos dá outras habilidades. Muitas, mais do que se pode imaginar. Aliás, falei em privilégio e fiz a conexão: acho, sinceramente, que envelhecer é um privilégio. Um privilégio que é dado a todos, indistintamente, no momento da concepção. A vida, em si, é envelhecer. No segundo milésimo de segundo depois de concebidos já somos mais velhos do que antes. E isso não pára. O problema, portanto, já que todos somos envelhecedores contumazes durante toda a vida, não parece estar no “envelhecer”. É bem provável que esteja no não compreender o que pode se tornar esse envelhecer.Não sei os outros. Mas, para mim, é gostoso sentir que, se na parte externa de minha cabeça tem alguns fios de cabelo a menos, na parte interna existe, todo dia, um pouco mais de compreensão das coisas, do mundo, das pessoas. Hoje, sou capaz de saber muito mais do que se passa com alguém apenas olhando nos olhos desse alguém e buscando no meu arquivo pessoal da memória coisas, fatos e sensações, do que saberia 20 anos atrás lendo milhares de relatórios ou ouvindo horas de explicações. Isso não tem preço, e isso só vem com o tempo, e esse é um prazer que não se tem aos 20 anos. O prazer de ler o que está por trás das palavras, de ver o que está atrás do visível, de ouvir o que está por trás do que se escuta. Sem fazer força. Sem agonias, nem angústias, nem pressas, nem aflições. Apenas, sabendo o que é e o que não é. E optando: acredito, finjo acreditar ou dane-se? Gosto, finjo gostar, ou dane-se? Envelhecer é saber, na maioria das vezes, as opções que se tem, e optar pela que se quer. Sem medo de ser feliz.Todos os dias venho aprendendo a ter um pouco mais de paciência com a vida, com quem me cerca. Com as coisas que são imutáveis, imexíveis, imprevisíveis. E tendo menos paciência com as coisas e gentes fúteis, fugazes, ilusórias, falsas. Envelhecer é saber que a vida é uma grande incerteza atrás de outra grande incerteza, e que só duas certezas podem ser tidas como absolutas: uma, que a gente envelhece. Outra, que a gente morre. Nem mesmo nascer é uma certeza, já que há quem não nasça. Mas não há quem não envelheça. Nem quem não se vá. É bom pensar nisso.

2 comentários:

Anônimo disse...

André: parabéns pelo texto! Gostaria de colocá-lo no meu site, o www.teias.com.br ,um portal de conteúdo,parceiro do IG, mas com uma linguagem blogueira. Se você concordar, me escreva no soniabb@teias.com.br e se você mandar algumas palavras para o teu perfil, será maravilhoso! Obrigada, abraço da tua fã Sonia Blota Belotti

Regiane Pensando Alto disse...

André
Surfando na net me deparei com o seu texto e amei, gostaria de
reproduzi-lo fielmente no meu blog (regianepensandoalto.blogspot.com/)
e claro mencionar quem é o pai da obra, caso seja contra, peço desculpas antecipadamente, confesso que será com pesar mas ele será excluído.