21/07/2005

CSI Teresina

Diz a lenda que, um dia, em uma terra distante e há muitos e muitos anos, apareceu decapitado um homem. Tudo que se pôde deduzir foi que a arma do crime foi uma pá. O culpado? Parecia impossível saber. Inimigos o morto não tinha. Testemunhas, nenhuma. E, naquelas terras, eram todos agricultores e em todas as casas havia uma ou, até, mais de uma pá. Como saber o autor de tão bárbaro crime? Um sábio, muito mais sábio que todos os sábios juntos, sugeriu ao imperador que mandasse todos os homens do reino buscarem em casa suas pás e se reunirem em frente ao palácio. Assim o imperador procedeu. Todos os homens reunidos, o sábio pediu que fossem levantadas para o alto as pás e que, nessa posição, todos permanecessem. E assim, durante horas, os homens do reino mantiveram pás levantadas aos céus, sem nada compreender. Até que, satisfeito, o sábio pediu que baixassem as pás, chamou o imperador e indicou o assassino. Curioso, o imperador perguntou como era possível saber o culpado com tão simples atitude. E o sábio mostrou que, em apenas uma das pás, moscas haviam se juntado, atraídas pelo sangue mal lavado ainda existente na ponta da pá do criminoso. Nascia a perícia criminal. Isso foi há milhares de anos. E ninguém sabe se é mesmo uma lenda ou um fato. E o que isso tem a ver com o que acontece no Brasil de hoje? Tem que no Piauí, por exemplo, o Instituto Médico Legal não dispõe sequer de um aparelho de raios-X. Os recursos mais utilizados são a mera dedução e a observação, além da experiência e dedicação de meia dúzia de abnegados profissionais utilizando métodos quase tão antigos quanto o mais primitivo conhecimento científico humano. Mal acostumado ao assistir a série CSI na TV por assinatura, me impressionei ao saber disso. Imagino não ser improvável que inocentes possam estar presos pela possibilidade de que algo que prove sua inocência não seja descoberto, pelo total desaparelhamento da perícia do Estado. Ou, ao contrário, que culpados estejam nas ruas pela incapacidade de se terem provas técnicas que concluam de forma incontestável a sua culpa. Não faço a mínima idéia de quanto custa um aparelho de raios-X. Nem imagino quanto custam aparelhos mais sofisticados que possam auxiliar os peritos. Não tenho como imaginar o que é realmente essencial para que esse trabalho seja desempenhado de forma minimamente condizente com o conhecimento disponível no século XXI. Mas o que eu, você e o Brasil inteiro estamos vendo, ou melhor, comprovando, já que há anos a gente finge que não vê tudo isso que está aí, são os porquês de hospitais com doentes morrendo nos corredores, escolas sem vagas, bandidos fechando túneis com armas de guerra, carros de polícia sem gasolina para andar, bombeiros com mangueiras furadas para combater incêndios: é que os recursos para isso estão viajando em cuecas, malas e sabe mais Deus o quê pelos céus do Brasil. É porque já passamos por uma ditadura, por um Sarney, por um PC e um Collor, por dois FHC e, agora, por Delúbios e Valérios, e não tivemos a coragem de extirpar a verdadeira origem de suas existências: o descaso, a politicagem, o cinismo, a mentira, a cara-de-pau, a impunidade. Os únicos inocentes nisso tudo são os que sofrem com a falta de condições mínimas de sobrevivência. De resto, somos todos culpados. Até que a coragem derrote a esperança, o medo e a decepção. O Brasil está com as entranhas abertas. É hora de tirar o tumor.

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