08/07/2010

A banalidade do mal é uma expressão de Hannah Arendt, usada em seu livro “Eichmann em Jerusalém”. Arendt faz uma análise de Adolf Eichmann, braço direito de Hitler. Ela mostra que Eichmann não apresentava características que o enquadrassem como doentio, perverso, monstruoso. Ao contrário. Um dos grandes assassinos da história se mostrava funcionário cioso, eficiente, que obedecia, sem questionar, às ordens superiores. O que movia Eichmann era um sentimento de hierarquia burocrática, e o pronto atendimento às ordens era a forma de possibilitar sua ascenção dentro dessa hierarquia. Não havia para ele bem e mal. Considerado um monstro, ele não tinha histórico significativo de traumas ou desvios emocionais. Eichmann era, em tudo, dentro dos padrões.
E então Hannah Arendt mostra que alguns indivíduos agem dentro do sistema em que vivem movidos pelas regras consolidadas dentro desse sistema. O código interno do sistema reduz a percepção individual de bem ou mal, de certo ou errado, de moral ou imoral. Então chegamos ao caso de Eliza Samudio. E então chegamos a algumas questões. Será que o crime aparentemente cometido por um grupo de pessoas, entre eles um atleta famoso, foi cometido por monstros desprovidos de sanidade? Dentro de que sistema de valores eles agem? Porque eles julgam legítimo matar uma pessoa e, com tanta frieza, “resolver o caso” com algo tão horroroso?
Vale a pena pensar um pouco mais sobre isso. Vale a pena pensar se não estamos, todos, construindo um sistema que de alguma maneira legitima comportamentos como o dos assassinos de Eliza, os assassinos de Isabella, os assassinos de João Hélio. É fácil cair na tentação de explicações que, no fim das contas, servem mais de escapismo que de compromisso. Nem todo criminoso é monstro. Nem todo criminoso é doentio. Não é verdade que a pobreza ou a infância sofrida sejam determinantes exclusivas de padrões de comportamento criminosos. A coisa pode ir muito além disso. Mas estamos sempre acreditando que o mal é praticado por bandidos desprovidos de alma, por gente doentia. É mais fácil acreditar que alguém que comete um crime pavoroso seja alguém fora das convenções sociais do que perceber que esse monstro foi concebido dentro das normas estabelecidas por nós mesmos, ou por nossos pares, ou por nossos líderes, ou por nossos ídolos. É mais prático, mais cômodo. Mais simples. Gera menos esforço.
Outra coisa. Atitudes pequenas podem ajudar. Não custa nada pensar, por exemplo, se postar no twitter piadinhas a respeito do caso não nos torna cúmplices deste e dos próximos crimes. Porque a piadinha banaliza a crueldade do ato. A piadinha é quase um álibi que nos coloca em outro lugar no aspecto psicológico, distante do ato em si. Quanto mais distante, mais próximos de nós. Pule a piadinha. Ela é inútil. Ela é tola.
E Hannah Arendt foi tão clara. É tão necessário estarmos atentos à banalidade de atos do mal e evitar sua ocorrência. Tão necessário.

2 comentários:

boboniboni disse...

Excelente texto, parabéns.

Carla disse...

"É mais fácil acreditar que alguém que comete um crime pavoroso seja alguém fora das convenções sociais do que perceber que esse monstro foi concebido dentro das normas estabelecidas por nós mesmos, ou por nossos pares, ou por nossos líderes, ou por nossos ídolos."

Perfeito esse trecho.