25/01/2010

Sobre "Lula, o Filho do Brasil" (terceira e última parte)

É impossível afirmar que “Lula, O Filho do Brasil” seja um filme apolítico. Por várias razões.
A mais óbvia é a de que é um filme que “conta” a trajetória de um cidadão que se torna presidente da República e está em pleno exercício de seu mandato. O filme É sobre a vida do Presidente da República. E isto já faz, dele, um filme político. Se Lula está na Presidência e tem possibilidades de, em cargo público, interferir em um processo eleitoral, um filme que conta sua vida é instrumento político.
Outra razão está no próprio filme, que mostra a trajetória de Lula como sindicalista. Ora, o movimento sindical é um movimento eminentemente político. Se Lula existe no filme como líder sindical que “enfrenta” (enfrenta?) os patrões e a ditadura militar, o filme se torna político. Se Lula aparece em um estádio com cem mil trabalhadores à sua volta gritando palavras de ordem, o filme tem os dois pés no político. O filme sobre Lula só faz sentido tendo em perspectiva a história completa: o menino pobre que sai do sertão nordestino, é líder sindical e chega à Presidência. Não há outra história. Não é um filme sobre Lindu. Não é um filme sobre retirantes. Não é sobre os amores de um homem. É um filme sobre Lula. E Lula só é Lula por sua atuação como sindicalista e homem público. Portanto, o filme só existe pela existência do Lula político. Sim, não há menção ao Lula homem público, com cargo eletivo. E talvez seja essa a principal razão para “Lula, O Filho do Brasil” ser um filme político: seu aparente apolitismo. Um apolitismo cínico.
A tentativa de despolitizar Lula é um gesto absolutamente político. A despolitização de Lula serve como tentativa de pacificação de tensões políticas, justificando atos presentes e reinterpretando gestos passados. Tranqüiliza os conservadores e neutraliza e deslegitima os movimentos sociais. Na negação veemente do comunismo pelo personagem Lula está embutida mensagem cara às alas conservadoras da política brasileira: comunistas e movimentos sociais são “inimigos internos”, baderneiros, “esquerda raivosa” e agentes do medo. O “sapo barbudo” é reenquadrado historicamente, e percebido sob a ótica de agente conciliador entre os interesses das classes conservadoras e dos trabalhadores. E não de uma eterna ameaça ao sistema.
Há ainda a omissão da fundação do Partido dos Trabalhadores, que aconteceu dentro do período compreendido pelo filme: é a omissão das denúncias e os erros atribuídos ao partido. Lula, sem o PT, é um Lula acima de questões partidárias, um Lula suprapartidário, higienizado, barbeado, perfumado, limpo, puro, o que pode abrir leques de acordos políticos futuros e justificar o abraço dado pela esquerda brasileira no conservadorismo. Já a afirmação de Lula de que não é preciso enfrentar os patrões porque “são eles que pagam nossos salários”, além de vergonhosa e de beirar o patético, transforma o sindicalismo, as organizações sociais e seus assemelhados em movimentos menores, anacrônicos, ultrapassados. E que é ele, o Lula sem bandeiras a não ser a bandeira branca do estadista, o justo, o “cara” ideal para negociar os direitos dos trabalhadores juntos aos patrões gente-muito-boa.
Todas essas tentativas de despolitizar Lula, de trazê-lo para o centro, de inseri-lo no senso comum, são atos políticos. Não há ingênuos ao redor de Lula. Nunca houve no Brasil um filme mais político do que “Lula, o Filho do Brasil”. Não sejamos nós, portanto, os ingênuos. Edgar Morin afirma que o cinema é, por excelência, o terreno mais fértil para a criação de mitos. Ao que tudo indica, essa foi a intenção. Ao que parece, tiro no pé: no final das contas, “Lula, o Filho do Brasil” é um filme ruim, desnecessário, inconseqüente, politiqueiro, constrangedor. E, realmente, não dá para saber ao certo as intenções de Lula ao aprovar esse monstrengo. Vaidade? Propaganda eleitoral? Simples deslize por falta de percepção do momento? Só tempo vai dizer.
Mas já que inegavelmente tem o dedão do pé dentro da publicidade totalitarista, o filme de Lula faz, pelo menos, com que possamos ficar um tanto quanto decepcionados com ele e com sua própria história. E, pior: bastante desconfiados.

2 comentários:

Sam disse...

Quando vi "O filho do Brasil" pensei: quem é esse aí?Onde está aquele com o qual aprendemos a gostar de política, a orgulhosamente nos considerarmos de esquerda, a odiar o Collor? Será que esse nem existiu de verdade? É essa a frustração que nos persegue ao encontrar aquele Lula, aprovado por ele mesmo.

Alline disse...

Bravo!