07/10/2008

Autobiografia não autorizada de Maria Quem – Tiro 6

E então, exatos oito meses, seis dias, quatro horas, trinta e dois minutos e dezenove segundos depois de minha mãe mergulhar no fundo do mar dos olhos de meu pai, a Passarinha fechou pela primeira vez na história. E se enfeitou inteira de flores amarelas e brancas e as portas foram fechadas para os bêbados e canalhas e maridos adúlteros e rapazinhos espinhentos, e todas as meninas da Passarinha vestiram seus melhores vestidos e o vermelho foi proibido nas bocas de todas elas porque era dia de Edilene, minha mãe, casar com Onofre, o meu pai. Minha mãe usava véu, grinalda e um vestido que tinha uma cauda tão grande mas tão grande que escorria do altar da Matriz e se abria em leque ocupando metade da praça principal. As pessoas dizem que as meninas da Passarinha foi que costuraram o vestido e que as gotas brilhantes que pareciam um céu de estrelas desabado no cetim branco eram as lágrimas de alegria de todas elas, menos de Dalva, que tinha inveja de minha mãe e se dizia a preferida de meu pai, o que não deixava de ser verdade mas nem era tão verdade assim, já que meu pai comia a Dalva mas tinha guardado, para sempre, no sorriso de minha mãe, quase o coração inteiro e mais da metade da alma. Mas o fato é que minha mãe casou com o meu pai na Igreja Matriz, mesmo a contragosto do Padre Queiroz: é que Meire Elen, a dona da Passarinha, ameaçou contar pra Fidalgo, o jornalista, que Padre Queiroz, duas vezes por semana, entrava pelos fundos da Passarinha e depois entrava nos fundos de Jovelina, a mocinha mais desabonitada de todas mas a puta mais beata do qual já se ouviu falar em todo o mundo e que, na hora do vamos ver, gritava o nome de Jesus e Nossa Senhora e metade dos apóstolos e mais seis ou sete santos dos mais variados de sua fé.
E durante três dias e três noites a Passarinha foi o lugar mais feliz de todos os mundos, e a música e o cheiro contagiante que exalam os sorrisos encheram o ar de toda a cidade e coloriram os olhos de toda a gente, e Edilene, minha mãe, e Onofre, o meu pai, trancados na suíte de Meire Elen, gentilmente cedida para momento tão sublime e solene, descobriram que existem pessoas nesse mundo feitinhas umas para as outras e que todas as partes de um corpo servem para várias serventias além das habituais.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sou sua fã, viu?
Daquelas de carteirinha, fã clube e tudo mais.
Beijos.
Aline Castro