21/02/2008

Quando fui Morto em Cuba

Difícil imaginar o que teria acontecido se Che não tivesse morrido. Ou se Fidel tivesse morrido antes de Che. Talvez a barba de Fidel, fotografada por Alberto Korda, fosse hoje um ícone estampado em camisetas mundo afora, símbolo de luta pela liberdade. Talvez Che se tornasse um ditador. Talvez nem um, nem outro. Talvez Che e Fidel tivessem brigado, e Che arrebanhasse e treinasse guerrilheiros de toda a América Latina para derrubar o Castrismo em Cuba e recuperar a liberdade aos cubanos. Talvez Che vestisse a farda e, velho, com seus longos cabelos brancos, barba desalinhada e grisalha e boina estrelada, dividisse periodicamente o palanque com Fidel em Havana, e fizesse discursos de 4, 5 horas, deixando as outras 4 ou 5 horas para o breve pronunciamento de Fidel. Talvez Che fosse preso e fuzilado no paredón, como inimigo “de la revolución”. E se os dois houvessem morrido em um confronto com os partidários de Fulgêncio? Quem sabe? Cuba teria virado o quê? Uma Cancun com charutos de primeira?
O fato é que Ernesto Che Guevara e Fidel Castro derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista e Fidel se tornou o comandante em chefe da ilha, em janeiro de 1959. E a história dos dois se divide. De uma maneira peculiar e inusitada, Fidel e Che, revolucionários que inspiraram sonhos de liberdade mundo afora, se tornaram, 50 anos depois, dois lados de uma mesma moeda.
Ernesto Rafael Guevara de la Serna, El Che, a despeito de sua incompetência guerrilheira pós-revolução cubana (tentativas revolucionárias frustradas na Argentina, Congo e Bolívia), é um mito e um exemplo de coerência política. Sua morte em La Higuera, em 1967, em plena luta contra o poder desmedido do general Barrientos, transformou sua vida em martírio, em benefício do sonho do mundo mais igualitário. Morto, Che teve a oportunidade de ser lembrado só pelo lado heróico e idílico de seus atos. Está no coração de cada cidadão do mundo que acredita no fim do imperialismo e da supremacia do poder econômico sobre os direitos individuais.
Fidel acaba de pendurar a farda. E corre sério risco de entrar para a história como um traidor do sonho, um ditador de republiqueta, um fanfarrão. No panteão de Pol Pot, Stalin, Ceausecu. Mas pode ser endeusado pelas conquistas de seu país em meio a um criminoso e desumano embargo econômico americano e de seus satélites. Fidel deu motivos para gerar essa dúvida. Fez, da Ilha, um lugar muito curioso. Um lugar onde a expectativa de vida, em 2007, era de mais de 77 anos. No Brasil, 71 anos. Em 2004, pela ONU, Cuba era o sexto país menos pobre, entre 102 pesquisados. Mas as pessoas não conseguem comprar papel higiênico, refrigerantes ou sapatos. Cuba tem uma taxa de mortalidade infantil de 6,2 para cada mil nascimentos. O Brasil tem o alarmante índice de 28,6 em mil. Mais de 98% das residências cubanas têm instalações sanitárias adequadas. No Brasil, menos de 78%. O analfabetismo em Cuba atinge apenas 0,02% da população. No Brasil, oficialmente, 13,7 em cada 100 cidadãos não sabem nem assinar o nome.
Fidel pode ser ditador ou sonhador. Fidel pode ser déspota ou libertador. Fidel pode ser um tirano ou um “padre de los pobres”. Pode ser um generalzinho de republiqueta ou último bastião do orgulho de ser latino-americano. Pode ser levado para a posteridade como assassino de intelectuais contestadores ou mentor e herdeiro de Che.
Só o tempo vai dizer o que vai acontecer com Cuba. Se Cuba vai preferir o jeito revolucionário de viver ou se encantar pelas maravilhas do consumo. Resta esperar e pensar, bem direitinho, se é verdade que democracia e liberdade são isso que está por aqui e nos dando, de presente, Rocinhas e PCCs e mensalões. Se é verdade que o preço da liberdade é a eterna vigilância, como foi mostrado em seu maior extremo em Havana. Se é verdade que o capitalismo dá oportunidades a todos, obviamente que mais oportunidades a quem tem mais dinheiro e menos oportunidades ainda para quem nunca teve oportunidade. Se é verdade que o sonho dos cubanos de tomar coca-cola e comer Big Macs é mais valioso que o nosso sonho de um país onde todos saibam ler, escrever e ter o mínimo de possibilidades de sair vivo de um hospital público. Se é verdade que liberdade de expressão é ver Big Brother e Jornal Nacional e concordar. Se é verdade que o mundo ideal seria uma mistura de Havana com Nova York ou Londres. E se Che era um Fidel que morreu antes de ser Fidel, ou se Fidel Castro é um Che Guevara que morreu engolido pela realidade.

5 comentários:

Mia disse...

O que que eu digo?
Perfeitoso!!!

=*

Rosa Magalhães disse...

No words.

Pádua Carvalho disse...

Só posso dizer o seguinte, visite Cuba, entes que ela se acabe e que Fidel passe a ser apenas uma estátua em praça pública. Muito boa esta visão emblemática da realidade de "La Revolucion". Quisera houvesse outras Cubas América afora.
Grande abraço.
Tem um blog pra assuntos mais corriqueiros, pra descontarir, passa lá.
www.garotodeblograma.blogspot.com

Anônimo disse...

Espero que nunhum "Busch" tente domar Cuba, como faz com o resto do mundo...

Bom te ler de novo.

bj

Anônimo disse...

Brilhante texto.
Gostei muito da forma criativa e sem radicalismos usada por você.
Parabéns!

Stefano Ferreira