04/10/2006

Como as coisas acontecem rápido

Uma das grandes dificuldades de se escrever uma coluna semanal é a incrível capacidade que os fatos têm de se sobrepor uns aos outros, formando pilhas de possibilidades. Sempre espremidas entre novos fatos que, todo dia, toda hora, abarrotam nossos olhos e pensamentos, e um prazo (geralmente inexequível, como praticamente todos os prazos impostos pelos chefes), determinado pelas editorias. O meu, por acaso, é quarta-feira, para uma coluna que sai no jornal de domingo. Nossa Senhora do Tempo Curto, eu imploro: estiquem meu prazo!
Daí a força cada vez maior da Internet, dos blogs e dos sites de informação. Claro que, em sua grande maioria, as informações contidas nesses fast food de notícias são de péssima qualidade. Mas, diabos, quem quer qualidade de informação nos dias de hoje? O que interessa é o “aconteceu, apareceu”, mesmo que segundos depois a notícia desapareça e volte corrigida, ou desmentida, ou nem volte. E até mesmo se dispense eventualmente o “aconteceu”, ficando-se só com “apareceu”. Mas isso não tem nada a ver com nada. O assunto mesmo é, ou melhor, são, eleição e acidente de avião. Que passaram por cima de qualquer assunto ao ponto de, hoje, no início da tarde, eu ter visto três mulheres chegando ao trabalho em um plano de saúde, fardas verdes, discutindo sobre aerovias virtuais, transponders e velocidade de cruzeiro. Discutiam a coisa dos 36 mil ou 37 mil pés com a naturalidade de quem comenta a cor do esmalte da colega. Claro que ali provavelmente nenhuma das três soubesse quanto significam, em metros, 37 mil pés (por sinal eu também não sei e, ao acabar aqui, vou ao Google descobrir). Mas isso também não vem ao caso. O caso é que o acidente com o vôo 1907 transcendeu a categoria de catástrofe e virou novela. Triste, macabra, com direito a vilões, dramas de amor e flash backs, para catatonizar a opinião pública e grudar o cidadão na tela, comendo seu pão com manteiga, dando peteleco no filho e discutindo cheio de razão a suposta incompetência de pilotos e controladores de tráfego aéreo. Somos todos, agora, especialistas em tudo formados pela mídia e primos em terceiro grau dos abutres.
Eleição: segundo turno, Lula x Alckmin, picolé de Chuchu x Ceguinho Aderaldo. Cientistas políticos e PHDs de última hora insistem que Lula perderia mais se tivesse ido ao debate da Poderosa, e que sua ausência, se por um lado foi frustrante, foi taticamente excepcional. Bull shit. Lula fosse, estaria eleito. Mas é fato que a não ida de Lula simplesmente mostrou ao Brasil uma coisa que todo mundo já percebeu faz tempo: que ele, a despeito de ser, talvez, o mais carismático político brasileiro, um dos poucos capazes de falar pegando no braço do povo com a maior intimidade e naturalidade já que é, teoricamente, igual a todos nós da “crasse povo”, anda há tempos se apoiando em muletas de barro em chão molhado, jogando de salto 15 nos campos de gramados bem cuidados das elites e esquecendo que é da várzea.
O segundo turno vai ser muito esclarecedor. Porque, se de um lado Lula precisa botar o pé no chão, dar a cara a tapa e parar de dizer que não viu o que todo mundo viu, menos ele (além, claro, do blábláblá de mostrar seus números de governo), do outro Alckmin precisa apimentar o chuchu e provar que pode ser mais que um Suplicy com mais memória e menos Blowin in the Wind, com menos Opus Dei e mais “rebola, nêgo”.
Agora, é no mano a mano. E isso é ótimo pra democracia. Tudo bem que um lado represente cada vez mais uma esquerda destra e, o outro, uma direita que se diz canhota. Se é o que temos, foi o que escolhemos.

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