14/08/2006

Farinhada de domingo

Lágrimas da Vida

Fidel está doente, as bombas caem nas cabeças de crianças lá pelos lados do oriente, Alckmin cai nas pesquisas, Heloísa Helena esganiça na tv, Lula foge dos debates, Internacional e São Paulo decidem a Libertadores da América, São Paulo está sob ataque de um tal de PCC. O mundo parece que vai ficando de cabeça para baixo cinco vezes por dia. Mas, por incrível que pareça, não foi nada disso que me trouxe a maior emoção da semana que passou. Foi uma novela. Acredite, se quiser.
Muita gente que me conhece, inclusive pessoas bem próximas, criaram a lenda de que eu abomino as novelas. Não é verdade. Não tenho nada contra elas. Pelo contrário. Não contra as boas novelas. Tenho, sim, contra as idiotas. Até porque não é razoavelmente inteligente abominar o único contato que a grande maioria do povo brasileiro pode ter com a dramaturgia. Simplesmente execrar as novelas não deixa de ser, apenas, um exercício de intelectualismo fajuto e uma prova do afastamento de uma certa camada da "inteligentzia" brasileira que se fecha no seu mundinho e esquece que, do lado de fora de seu cérebro genial e lá, bem longe do seu umbigo, existe um Brasil formado por gente comum, sem escolaridade, sem saber ler, sem acesso a qualquer coisa que seja além do sonho.
A novela de tv é o canal onde o brasileiro se vê, se emociona, exercita a imaginação, mesmo que a vida nacional se apresente de forma um tanto quanto desfocada na maioria das vezes, é verdade. Mas é ali, naqueles 60 minutos diários, que o Brasil exercita a capacidade de sonhar, de torcer pelos mocinhos e de ver vilões sofrendo e sendo punidos. Um pouco de maniqueísmo não faz mal antes de dormir, ainda mais depois de se ver, nos telejornais, sanguessugas se banqueteando com grandes pizzas no Planalto Central.
Pois bem: fiquei emocionado com Páginas da Vida. A cena, ou todo o capítulo, que mostra a morte da mocinha grávida e abandonada pelo namorado, a dureza da mãe e a emoção descontrolada do pai apaixonado pela cria, foi de cortar o coração e de arrancar emoções esquecidas dentro da gente. E de fazer refletir. Refletir sobre os valores que damos à vida, sobre as desimportâncias que os fatos cotidianos têm em relação às coisas que realmente importam: quem a gente ama, quem a gente respeita, nossos sonhos desfeitos, nossas necessidades de afeto, confiança e suporte. Quantas Nandas não assistiram à novela com os olhos cheios de verdade, pensando em pais e mães incapazes de perceber que o, como queiram, erro cometido e uma inconsequente gravidez não merecem o preconceito nem o dedo em riste. Quantas Martas não puderam ver dentro de si mesmas o absurdo da intolerância. Quantos pais como Alex não perceberam que o amor de um pai pode ser maior que a necessidade de um cinturão cortando o ar em direção a um corpo que abriga uma alma que precisa de carinho.
Não é o caso de se fazer, de uma cena ou de toda a novela, um manifesto em favor do que quer que seja. Novelas, como os livros, são entretenimento e, exceções feitas às Uga-ugas e congêneres que levam como única mensagem a futilidade e o narcisismo, não deixam de cumprir sua função: entreter e, ao entreter, provocar, questionar e fazer refletir.
Páginas da Vida, aqui e ali, pega o atalho fácil da polêmica marketeira. Mas nessa seqüência, em especial, ultrapassou o denuncismo babaca, o bandeirismo intelectualóide, e tocou de verdade, em momento de raríssima inspiração conjunta de atores e direção, em algo realmente relevante: o preconceito e a intolerância que insistem em ficar à espreita nas salas de visitas do que chamamos, comumente, de família.
Foi, definitivamente, emocionante. Que continue assim.

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