18/04/2005

A Não-Bela e a Fera

(publicada no Caderno Metrópole do jornal O Dia, de Teresina, em 17 de abril de 2005)

Poucos casais são tão harmoniosamente desprovidos de harmonia estética quanto Charles e Camila. Ter os dois como Príncipe e Princesa do Reino Unido chega a ser, de certa forma, um chute nos países baixos das convicções sobre o que é o amor, adquiridas através dos contos de fadas onde lindas mocinhas brancas e loiras são resgatadas das garras de dragões ferozes por belos, altivos e imponentes herdeiros de um trono qualquer. Dessa vez, pelo menos aos olhos dos que vêem a vida pelo lado errado do binóculo, o príncipe matou a princesa e levou o dragão para, juntos, viverem felizes para sempre no Castelo de Windsor. Pura miopia. Vista pelo lado certo do binóculo, a estória de Charles e Camila pode ser, sim, um conto de fadas muito mais do que moderno: quase de vanguarda. E exemplar sobre as verdadeiras relações.
Charles, mesmo sendo uma espécie de patinho feio da realeza mundial, é um príncipe. Certo, de uma monarquia meio caída, pelancuda. Mas realeza, convenhamos. Assim, poderia se dar ao luxo de ter tudo o que quisesse. Hoje em dia se compra tesão, se compra ereções "firmes como rocha", se compra seios, bundas, sorrisos e, sabe lá, amor verdadeiro. Charles tentou, até. Casou-se com a jovenzinha linda e doce, que virou xodó mundial e, ao que parece, era doce demais para ele. Charles, ao que parece ainda e, acredito, Freud até explica, queria ter ao seu lado menos doçura e mais força, menos candura e mais ranger de dentes. Queria uma mulher que não fosse um bibelô, mas que o desafiasse de alguma forma. Ele, um príncipe da Inglaterra, não precisava de alguém submisso. Bem, se sua Lady Diana não era exatamente submissa, parecia. Sir Charles precisava de alguém que fizesse seu coração bombear seu sangue azul bem mais depressa. E isso só aquela anti-belezura da Camila conseguiu. Tanto que, mesmo depois de muitos anos, de escândalos, de piadas em todo o mundo e de noites e noites de telefonemas, encontros e desejos furtivamente saciados, Charles leva sua amada para o castelo, senão o de Windsor, pelo menos o castelo construído pelo seu amor. E o que isso tem a ver com vanguarda, beleléu? Justamente essa capacidade de assumir que se ama alguém fora dos padrões. De se passar por cima da estética, da aparência, da valorização exacerbada do parecer. Na verdade, é preciso ser e ter. E não apenas parecer amor. Isso é amor de vanguarda. Porque amor, hoje, para a maior parte das pessoas, é o parecer que é. A impressão que se tem de Charles e Camila, meio que corroborada pelo episódio telefônico do tampax, é que eles, em toda a plenitude da sua desbeleza, se chutam, se chamam de chihuaua e se jogam na parede. E estão pouco se lixando. O amor de Charles e Camila, seja por necessidade ou por ser amor, mesmo, sobreviveu a muitas e muitas intempéries nos dias nublados que teimam em pairar sobre Londres. As pessoas querem amar apenas em dias de sol, onde tudo é mais fácil, mais luminoso e caliente.
O amor de Charles e Camila é bonito, por ser discreto e pouco espalhafatoso. Parece que é amor, mesmo. Até prova em contrário, é o amor que, à maneira dos contos de fadas, vai acabar com um grande letreiro "e foram felizes para sempre". Eles são lindos.

Um comentário:

kalina morena disse...

deve ser um amor estavel, feliz!
eu gosto do casal :-)
eh bom quando as almas compartilham o olhar sobre o mundo.
beijo pra voce Andre
Kalina