Para Cinéas Santos
Ela veste uma saiazinha azul cor de céu e camisa de flores, grandes, já meio murchas. Ele com camisa de propaganda de sabão em pó, por dentro da calça, cinturão de couro, R bem grande na fivela. Ela não usa nenhum penteado especial. Apenas um cabelo penteado, longo, molhado, cheirando a creme. Ele de bigode fino, homem do campo, cabelo parece não levar água há dias mas arrumado, grudado na cabeça. Ela sorri um sorriso sem um dente para ele, que o devolve sem dente algum na arcada superior.O restaurante é como todos de beira de estrada. Cachorro esquálido num canto, garrafas de cachaça, caixas de cerveja. Rádio AM misturado a motor de caminhão e cheiro de diesel. Toalhas xadrezes com furos de cigarro, restos de farofa e grãos de arroz. Uma imagem de São Cristóvão domina o ambiente. Alguém chega enquanto ela toma sua segunda Fanta laranja. Uma senhora, cheirando a água de colônia, vestido rosa-choque amassando os seios, grandes botões, três. O rapaz se levanta e estende a mão, desajeitado. A senhora banguela de rosa-choque senta, bufante, pés sujos de terra. Tira as havaianas, mexe os dedos, esfrega os joelhos e balbucia incomodada: "calô, né". Silêncio. A moça olha para o rapaz com timidez. Chegam três PFs grandes, bifes escorrendo pelas bordas, macarrão desbotado, feijão cai não cai. Outra Fanta laranja, uma Fanta uva e uma garrafa de água gelada. Comem sorrindo, garfos de lado, usando colheres e dedos. Conversam pouco e de boca cheia. Em poucos minutos a mesa por testemunho da pouca educação, moscas já aproveitando as sobras. Enquanto palita os raros dentes ele levanta, mete a mão no bolso, tira um pacotinho de plástico, de onde pulam duas argolas douradas, entregues à senhora banguela de rosa-choque. Ela põe o palito de palitar falta de dentes na mesa, pega as argolas e beija cada uma delas. Segura a mão direita da lacrimosa mocinha. Coloca a argola no dedo magro com unha "branco cintilante", beijando em seguida a mão da moça. Repete o gesto com a mão grossa do rapaz, e também o beijo. O casalzinho se abraça forte, ridículos tapinhas nas costas, ao som de gargalhadas enormes da senhora banguela de rosa-choque. O rapaz grita o garçom. Conversa animada sobre a vida e a muita chuva deste ano traz a conta bem depressa. Ele tira a nota de vinte da carteira surrada e manda guardar o troco. Deixa a sogra passar primeiro, dá a mão à noiva e sorri, pensando na nova vida, nos filhos que um dia vão ajudar na roça e na vaquinha que seu Domingos da Maroca está vendendo por "duzentos real". É um homem comprometido, agora.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário