20/01/2006

Pensamento Rápido Sobre a Pressa

Nos últimos meses uma pequena paranóia tem me tirado a tranqüilidade. E a culpada fica bem aqui, ao lado, pertinho da minha coluna. É a coluna do Professor José Maria, Escorregões no Português. Sem perdão e com a maior educação e pertinência, o professor vem apontando erros gramaticais, de concordância e assassinatos à língua portuguesa que acontecem aos montes por aí, especialmente nos jornais. Daí, a minha paranoiazinha. Morro de medo de levar um tombo ao tropeçar numa crase jogada a esmo no meio do texto e cair de cara ou, pior, com minhas partes carnudas e globosas, na coluna simpática e absolutamente necessária do professor José Maria. Apesar disso, daqui, professor, digo que esteja à vontade. Mas o fato é que na semana passada, mesmo, eu cometi alguns erros. Não vou dizer aqui quais, mas sei que estão lá. Que medo. Aliás, um eu digo: coloquei duas vezes a palavra "particularmente" no mesmo texto. Imperdoável. Não, não foi questão de estilo. Foi a pressa, mesmo. E, assim, finalmente entro no assunto: a pressa.
Como todos andam apressados nesse mundo, que coisa! Nunca se teve tanta, tanta necessidade de se fazer tudo tão depressa. É pressa para escrever coluna, é pressa para fechar o jornal, é pressa para estudar, é pressa no trânsito. Acredito piamente que o maior mal do mundo, hoje, é a pressa. Que, todos sabem, é a inimiga da perfeição, e blá, blá, blá... Em nome dessa pressa, os carros são cada vez mais rápidos e os acidentes cada vez mais constantes e violentos. Em nome dessa pressa, as meninas são menos meninas, os meninos menos meninos. As relações, tão apressadas, estão cada vez mais fugazes: conhece-se, namora-se, casa-se, briga-se e divorcia-se em uma noite ou, em casos ainda mais apressados, numa manhã. Acontece tudo de uma vez. Todo trabalho é para ontem. Toda música de semana passada é flash-back. Poemas de dois anos atrás são fósseis encontrados na Serra da Capivara por Niéde Guidon. Computadores com seis meses de uso são obsoletos. Cursos superiores são feitos em dois anos. Tudo, absolutamente tudo, tem de ser fast (uma palavra da língua portuguesa moderna): almoço fast, carreiras profissionais fast, pensamentos fast, convicções fast. Governos começam para durar quatro anos e, apressados para garantir que se tornem oito, trabalham dois e discutem eleições durante dois. A Internet tem de ser rápida, Schumacher é melhor que Barrichello, técnicos de futebol devem operar milagres em três meses, o sinal de trânsito deve ficar verde cinco segundos mais cedo, o motorista do ônibus tem comichão no dedo e coça na buzina. Cartas, alguém ainda escreve? Meu avô, que morreu em novembro, foi a única pessoa, desde a minha infância, que me escreveu cartas. Agora, tudo precisa ter a velocidade do e-mail ou, senão, é arcaico, chato e absurdamente irritante. Até a música para dançar. Se não for eletrônica ou tiver um andamento de marcha de carnaval, é canção de ninar.
E o mundo? Ah, o mundo está aí. Cada vez mais rápido, cada vez mais veloz, cada vez mais frio, cada vez mais injusto. Porque as injustiças avançam na mesma velocidade que a pressa nos separa do outro. A cada dia, mais rapidamente esquecemos que viver não é uma corrida de 100 metros. Que muita coisa precisa de mais cuidado, atenção, carinho, respeito. De tempo para existir e acontecer. De atenção. E que a pressa, repetindo, inimiga da perfeição, vem, cada vez mais apressadamente, ocupando um espaço que não devia: o coração das gentes de todo lugar. Vai ver, então, que é por isso que somos cada vez mais imperfeitos: somos, cada vez mais, mais apressados. Até onde isso vai nos levar?

13/01/2006

E você, não dá sua espiadinha?

Particularmente, acho genial a idéia do Big Brother. Essa coisa de podermos ver como se comporta um grupo de pessoas confinadas em uma casa, com suas diferenças, identidades, manias e desvios de caráter é algo absolutamente interessante. Porque isso de bisbilhotar a vida dos outros parece estar no nosso código genético. Desde que o mundo é mundo somos voyeurs da vida alheia. De certa forma, somos resultado das fofocas e das bisbilhotices que, durante anos, sofremos e fazemos em relação a tudo que nos cerca. É o que vemos nos outros e o que vêem e percebem e falam de nós que molda quem somos. Todo mundo é xereta de nascença. Hoje, onde qualquer um pode expor suas vidas em blogs, flogs, sexlogs e orkuts, e pode divulgar publicamente suas dores e amores com auxílio de câmeras digitais de 200 reais, parece que o ser humano assume definitivamente: somos, todos, indistintamente, futriqueiros, enxeridos e penetras da intimidade do vizinho. Esteja ele do outro lado do muro ou do lado de lá do planeta. E, por mais que aqui e ali digamos que não, somos, sim, exibicionistas, e adoramos quando nos tornamos alvo de olhares, comentários e algum tipo de futrica. Uma coisa meio "falem mal, mas falem de mim".
O que me incomoda no BBB é esse algo de manipulação um tanto quanto descarada e tola dos personagens. Nesse grupo de quatorze pessoas que se permite a visibilidade de suas neuras, o que temos? Pelo menos doze que formam, digamos, um grupo quase homogêneo. Gente com cara parecida, corpos quase idênticos, padrão comportamental muito aproximado, cérebros trabalhados em linha de montagem, exibicionistas, pseudomodelos alpinistas em busca de capas da Playboy e um ex-monge que, aparentemente, pretende ser o próximo Jean. E, desde quinta-feira, dois legítimos representantes, aí sim, da média do povo brasileiro: uma baiana com falhas na dentadura superior e um carioca baixinho e rechonchudo, o Danny de Vito da Pavuna. Particularmente, preferia que o BBB fosse todo feito com gente sorteada aleatoriamente. Nada contra as bundas redondinhas e as barrigas de tanquinho, até porque, no sorteio, elas poderiam estar lá. Mas o grande barato desse negócio é justamente a contradição, a briga por pontos de vista completamente opostos. Os romancezinhos pré-fabricados para atender pesquisas matam o principal elemento que poderia fazer, do BBB, algo mais que um entretenimento e, quem sabe, desculpe a pretensão, mostrar em rede nacional quem somos de verdade: a diversidade. Onde estão os gordos, os idosos, os analfabetos, os desdentados? Porque não um BBB de cada estado? Porque não um desses intelectuais chatíssimos para papos-cabeça com as modeletes burrinhas sobre Sartre, caindo depois para a importância da chapinha no mundo contemporâneo? Será que é pré-requisito a capacidade de dar gritinhos ridículos por qualquer coisa e desfilar o dia inteiro de biquíni e sunguinha "mamãe-sou-playboy-e-adoro-pitbull"? Adorei o Danny de Vito da Pavuna ter esculhambado a primeira prova do BBB, deixando o Pedro Bial com cara de tacho. Achei ótima a baiana com corpinho de dona de casa bonachona e sorriso falho. Pode ser que a gente consiga ver, além de glúteos bonitinhos e bíceps definidos, um pouco mais de naturalidade, de alegria espontânea, de angústias verdadeiras, de gente verdadeiramente comum. E, agora, dá um tempinho, que vou ali dar uma bisbilhotada.

06/01/2006

O Espectador Fiel

Assumo que sou um péssimo crítico de cinema. Reconheço. Mas isso me dá uma certa liberdade: a de elogiar, criticar ou ser desprezivelmente indiferente a qualquer filme sem receio dos policiamentos de uma certa "inteligentzia vigilantti", que insiste em se autoproclamar acima de qualquer suspeita de debilidade intelecto-cultural. Assim, livre de qualquer amarra pseudo-genial, digo o que senti na frente da telona. Isso me dá a liberdade, por exemplo, de dizer que acho Matrix de uma chatice sem tamanho, com aquele figurino black-kitsch e aqueles tons de verde beirando o insuportável. E de, inclusive, assumir que chorei assistindo "Os Dois Filhos de Francisco". Sim, chorei mesmo, e daí? Ele foi feito pra isso, a história é bonita e, apesar de toda a antipatia que nutro por duplas cantando escaramuças de amor de forma esganiçada, simpatizei com o filme. Claro, isso não me dá a mínima vontade de assisti-lo outra vez. Certas experiências só nos podemos permitir uma vez na vida. E está de bom tamanho ouvir "É O Amor" na voz de Maria Bethânia apenas uma vez. Tudo bem que o Brasil é brega, que as elites são bregas, que a Globo é brega, e que a gente tem mesmo de assumir a breguice latente no DNA brasileiro de vez em quando. Mas até mesmo isso tem limite. E o meu chegou nos letreiros finais e nos olhos úmidos. Acabou. Parabéns à dupla, e coisa e tal. Mas, Oscar? Convenhamos...
Agora, "O Jardineiro Fiel" é outra coisa. De encher, literalmente, os olhos. Fernando Meirelles mostra que Cidade de Deus não foi um acidente de percurso. Apesar de certos maneirismos de Meirelles e seu diretor de fotografia, César Charlone, como as cores saturadas, as cenas de miséria travestida de alegria e poesia e, até, da galinha corredeira recorrente, o filme tem uma beleza e uma dinâmica que marcam um ponto importante na consolidação de um novo jeito brasileiro de fazer cinema, que ultrapassa a velha barreira boba do idioma e rompe, de vez, a sina do improviso. Meirelles teve a sorte (ou a capacidade) de contar com Ralph Fiennes atuando de forma convincente e com Rachel Weisz transbordando na tela uma forma de sensualidade impensável no cinema tupiniquim: a sensualidade vestida, ainda estranha no país onde bundas requebrantes são sinônimos e padrão de beleza. Rachel Weisz, ou a sua personagem, Tessa, ilumina a tela com um sorriso simples e encantador, e com a indignação perdida por nós em meio às tantas pauladas que o mau e velho capitalismo nos dão todos os dias, em todas as partes do mundo.
O Jardineiro Fiel é uma festa para os olhos e um tapa na cara de nossas certezas. E é, e muito, uma história de amor, enrolada no lençol do suspense que esconde o principal elemento do filme, na minha modesta opinião: até que ponto você conhece quem você ama? Até onde você confia, acredita, admira e é capaz de mover o mundo pelo seu amor? O fim do filme é uma aula de sutileza e de, porque não, uma metáfora da verdadeira e definitiva entrega a quem se ama. Um fim que começa a surgir em uma frase, solta, pouco percebida no meio do filme, dita por Ralph Fiennes: "Tessa era minha casa".
Soberbo. Só vendo. Eu vou ver de novo. Meirelles merece. A gente merece.