09/02/2011


A primeira vez que chorei em Paris
Vamos pular etapas e chegar ao avião da Tap que sobrevoa o Atlântico a 11 mil metros de altitude. Estamos a noroeste da costa africana, é madrugada (ou seja, nem Deus, se existir, está enxergando alguma coisa) e é mais ou menos na direção de Cabo Verde ou coisa que o valha. E, acredite, nos fones de ouvido toca a Suíte Número 3 para Violoncelo, de Bach, e o avião balança muito, a ponto das belas e elegantíssimas aeroraparigas portuguesascomcerteza suspenderem o serviço de bordo (surpreendentemente bom, apesar das belas moças – bem, algumas nem tão moças nem belas, o que pouco importa - serem absolutamente sérias e pouco sorridentes) e se amarrarem com os cintos de segurança. A única coisa que pensei, numa frieza nunca dantes imaginada, foi que se tivesse de morrer em um acidente de avião que fosse, pelo menos, na volta. E que nada aconteceria porque, ora, aviões não caem quando se escuta a Suíte Número 3 para Violoncelo, de Bach.
E estamos em Lisboa, e correndo para a fila da imigração para carimbar os passaportes. Não sei você, mas na fila eu ia ficando cada vez mais nervoso, com medo de alguma coisa dar errado. Sei lá. Implicarem com alguma coisa. Faltarem documentos. Algo, não sei o que. Mas estava tudo ordem.
Um casal à nossa frente vai ao guichê. Ela, jeito de uns 40 anos, assim: vestido de onça; botas até os joelhos; absolutamente blondie; uma coisa de veludo (não sei como se chama) sobre os ombros. Ele: gringo, nem brasileiro, nem português (chute: italiano); pelo menos 60 anos; visivelemente nervoso. Ela fala com o agente da imigração algo como “mas nós nos casamos semana passada; vamos em lua de mel”. Retidos. Não embarcaram. Nossa vez. Tudo bem. Carimbo, um certo mau-humor do português. Aí, detector de metais e tal. Olha só o que acontece. “Tens notebook? Tire”. Tiro. “Remova a bateria”. Removo. “Câmera fotográfica”. Câmera. “Tire o cinto”. Tiro. “Tem um tubo na mochila. Abra”. Abro. “Perfume?”. Perfume. “Não passa”. Como assim, não passo? “Perfume. Líquido”. Mas está no limite. “Quanto tem aqui?”. Cem ml. “Como sabes que tem 100ml?”. Ora, está escrito. Silêncio. Observação acurada dos ml. “100 ml. Ok”. Ufa. Então outro diz: “Vocês vão pegar o vôo xxx para Paris?”. Sim, nós, e mais um monte de gente. “Não vão não. Está fechando”. Como é? E, olha. O aeroporto de Lisboa é enooooooooorme. O portão era o 26. Estávamos no portão 1. Vinte e seis portões de correria. Pior. Eu, sem cinto. Ela, correndo na frente. “Corre, corre!”. As calças caindo. Mochila na mão, cinto na outra, outra mala no ombro. Vinte e seis portões. As calças caindo. Pior. Sem roupas de baixo. Ué, queria ficar folgado, o que tem? Mas as calças caindo. “Portão 26, chegamos!”. Arf, arf... Pessoa no balcão: “Vão pegar o vôo xxx para Paris?”. Claro, porra! “Não vai dar. Já vão tirar as mangas”. Quem quer saber de mangas? Que merda de mangas? Correria, calças caindo, entramos no avião quase empurrando a nova aerorapariga. Umas 300 pessoas olham com cara de enfado as duas criaturas suadas e assustadas entrando. As calças caindo. O cinto em uma mão. Deu tudo certo.
Uma hora e meia depois, Paris. Muito frio. Na van a caminho do hotel, uma guia brasileira e cerca de dez pessoas, nós inclusos. Todos os outros só perguntavam sobre compras, detaxe, lojas. Nós, mudos, só olhávamos um para o outro. Estamos em Paris. Eram 5 da tarde, fazia frio e escurecia. E nós, mudos e engasgados, olhávamos pela janela para a Paris que ia surgindo cada vez mais iluminada, e olhávamos um para o outro. Quem conseguia falar alguma coisa? Estamos em Paris. Em P-A-R-I-S.
Lembro do meu avô e de mais um monte de gente. E vocês, nessa porra de van, calem a boca!Vocês não merecem estar aqui, consumistas burguesinhos do caralho! A van pára para deixar alguns deles em um hotel. Nós íamos para outro.
A porta da van fica aberta, e já é noite. Olho para fora e estamos parados em frente à Gare de Lyon. Eu digo: “olha onde a gente está. Olha onde a gente está. Puta merda, olha só onde a gente está!”.
E choro.

A título de informação

Talvez você ache um saco os posts que vou colocar, a partir de hoje, sobre Paris.
Talvez ache o autor, no caso eu, um deslumbradozinho, um intelectualzinho, um classemédiacontadordevantagensporquefoiaparisumaveznavida.
Talvez você deixe comentários críticos aí embaixo de vez em quando. Talvez você tenha ido e pensado “caramba, era só isso”?
De repente você detestou a comida.
De repente, sei lá, você simplesmente não achou a menor graça. Acho difícil, mas acontece.
Mas pode ser que você se identifique. E se arrepie, ou se emocione, ou chore, ou ria, ou sinta saudades daquela vez que você foi lá e passou três dias.
Pode ser que você lembre de como era viver em Paris quando você foi lá passar dois anos estudando. Pode ser que você ache graça de uma ou outra coisa fora de contexto, ou se sinta representado por esses posts de alguém que foi pela primeira vez
a Paris, sem ser rico, sem saber falar francês, sem fazer pose para colunas sociais e com grande possibilidade de passar perrengue em terras alheias.
Não sei o que você vai achar.
Sei que adiei ao máximo escrever esses posts, e cheguei a jurar que nem os faria. Era minha maneira de guardar, dentro de mim, os lugares, os sentimentos e alegrias e dúvidas, e risos e lágrimas. Pensei que só abriria esses sentimentos para esses que tiveram a oportunidade de ir lá e sentir o que senti. Tem gente que vai e não sente. Tem gente que vai e detesta. Tem gente que vai e morre de amores. Tem gente que vai e não volta. E tem gente que, como eu, vai e, de algum modo, mesmo que rode o mundo inteiro, nunca mais sai de lá.
Se sentir vontade, leia os posts. Você que conhece bem Paris, perdoe eventuais percepções distorcidas, releve algum momento deslumbradinho. Porque foi deslumbre, sim. Nunca um deslumbre cego. Mas um deslumbre de alguém que foi a um lugar onde sempre quis ir, mas que por quase 40 anos acreditou que nunca conseguiria.
Perdoe algum tom exageradamente condescendente, ou até mesmo delirante. Se puder, me ajude a compreender o que é Paris, e onde a Paris real se encontra com a minha Paris (todo mundo que vai passa a ter a “sua” Paris, já comprovei isso). Porque eu vi Paris nos livros, nos filmes, nas fotos, nos sonhos. E, um dia, vi Paris. Fui lá. Toquei nas paredes que antes eram devaneio, e elas existem. São reais. São de pedra. E agora são paredes-lembrança.
Sabe. Eu ainda estou lá. Voltei, mas até agora não saí de lá.
Espero que compreenda.
Foi só pra esclarecer.

*aproveito pra dizer que NÃO, NÃO será um "diário de viagem", apesar de, evidentemente, sê-lo;
**aproveito para dizer que TODAS as fotos publicadas aqui serão as que eu fiz lá, portanto não copie, não use, bláblábla;
***aproveito para pedir que você, tendo ido ou não a Paris, PARTICIPE, comente, opine, critique, sempre naquele nível a que as pessoas costumam dar o nome de "adequado";
****aproveito para dizer que faz (fazem?) 7 meses que não posto nada, e que agora, ahá, vai ter de me aturar.