31/07/2007

tudo como um dia não estava

então fica tudo assim
o dito pelo não dito
o feito pelo não feito
o sonho pelo não sonho
o jeito pelo sem jeito

então, tudo resolvido
as contas pagas, pagas
as contas não pagas, dane-se
nas dúvidas, outras.
nas certezas, dá-se um jeito

então, deixa tudo como não estava
as fotos a gente rasga
os bilhetes a gente estraga
as cores a gente apaga
a gente,
a gente engasga

então,
passar bem
fica feliz
é isso aí
e tudo bem.

26/07/2007

Vamos brincar de memes

O convite foi feito pela Ju, e apesar de eu detestar essas coisas de listinhas porque nunca achei uma listinha em que coubesse tudo que eu gosto, resolvi topar. Porque a Ju é meio gênia e inteiramente gente boa, e mesmo que a gente não transforme o mundo quem sabe alguém entra nesse espaço e encontra alguma coisa deveras interesting e decide ler um dos livros que vou citar e melhora sua vida.
É, porque livros mudam, sim, a vida da gente. Nem vou dizer aqui que melhoram a cultura, a capacidade de reflexão e todos os blábláblás de praxe, porque isso é tão óbvio quanto a maior das obviedades óbvias deste mundo óbvio e ululante. Mas livros mudam a vida da gente, às vezes por causa de uma frase, às vezes por causa de um título, às vezes por causa de uma história, às vezes por causa de um cheiro. O fato é que ninguém, ninguém ninguém ninguém está mais se banhando na mesma água do rio depois de ler um parágrafo de qualquer livro que seja. Se o tal dito cujo for excelente, ótimo. Se for bom, legal. Se for ruim, foda-se. Mas foi lido.
Os 5 que vou colocar aí embaixo não são, necessariamente, os bests of the bests da história da literatura universal nem os tops of the tops da minha lista, que na verdade não tem top nem não-top. Mas são 5 entre as dezenas de livros que mexeram comigo, de alguma maneira, em alguma época, por algum motivo, e me fizeram ver a vida, o mundo, as pessoas, as coisas e eu mesmo do jeito que eu me vejo hoje, e, relidos, podem me fazer ver as coisas de um jeito completamente diferente amanhã. Se é que eu ainda vou ver alguma coisa.

1 – Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis
“Dito isto, expirei às 2 da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns 64 anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de 300 contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fieis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu à beira da minha cova: ‘Vós que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado’.
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei”.


2 – Uivo – Allen Ginsberg (trechos do poema)
que perderam seus garotos armados para as três megeras do destino, a megera caolha do dólar heterossexual, a megera caolha que pisca de dentro do ventre e a megera caolha que só sabe ficar plantada sobre sua bunda retalhando os dourados fios intelectuais do tear do artesão,”

“que cortaram seus pulsos sem resultado por três vezes seguidas, desistiram e foram obrigados a abrir lojas de antiguidades onde acharam que estavam ficando velhos e choraram,”

”que caíram de joelhos em catedrais sem esperança rezando por sua salvação e luz e peito até que a alma iluminasse seu cabelo por um segundo,”

“e se reergueram reencarnados na roupagem fantasmagórica do jazz no espectro de trompa dourada da banda musical e fizeram soar o sofrimento da mente nua da América pelo amor num grito de saxofone de eli eli lama lama sabactani que fez com que as cidades tremessem até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado de seus corpos bom para comer por mais mil anos.”


3 – Sangue de Coca Cola – Roberto Drummond

“Agora eu sei, Tati, que nunca vou poder assistir com você um comício do PCI em Roma. Estou sangrando, Tati. Estou sangrando e morrendo. E provo um pouco do meu sangue: tem gosto de coca-cola.”

4 – Tête-à-Tête – Hazel Rowley
(início e fim do prefácio)
”Como Abelardo e Heloísa, os dois estão sepultados no mesmo jazigo, seus nomes ligados para sempre. São um dos casais lendários do mundo. Não podemos pensar em um sem pensar no outro: Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre.”

“Esta não é uma biografia de Sartre e Beauvoir. Que outros façam justiça à sua escrita, sua política e aos detalhes intrincados de suas vidas riquíssimas. Esta é a história de uma relação. Quis retratar essas duas pessoas de perto, em seus momentos mais íntimos. Podemos ou não considerar esta uma das grandes histórias de amor de todos os tempos, mas certamente é uma grande história. Exatamente o que Sartre e Beauvoir sempre quiseram que suas vidas fossem.”


5 – A Vida Como Ela é – Nélson Rodrigues (trecho de A Dama do Lotação)
"Entrou no quarto, deitou-se na cama, vestido, de paletó, colarinho, gravata, sapatos. Uniu bem os pés; entrelaçou as mãos, na altura do peito; e assim ficou. Pouco depois, a mulher surgiu na porta. Durante alguns momentos esteve imóvel e muda, numa contemplação maravilhada. Acabou murmurando:
— O jantar está na mesa.
Ele, sem se mexer, respondeu:
— Pela ultima vez: morri. Estou morto.
A outra não insistiu. Deixou o quarto, foi dizer à empregada que tirasse a mesa e que não faziam mais as refeições em casa. Em seguida, voltou para o quarto e lá ficou. Apanhou um rosário, sentou-se perto da cama: aceitava a morte do marido como tal; e foi como viúva que rezou. Depois do que ela própria fazia nos lotações, nada mais a espantava. Passou a noite fazendo quarto. No dia seguinte, a mesma cena. E só saiu, à tarde, para sua escapada delirante, de lotação. Regressou horas depois. Retomou o rosário, sentou-se e continuou o velório do marido vivo."


E passo a bola.
É com vocês, Fábio Lima, Ana Paula Mangeon, Moacir Caetano, George Mendes e Marina W.

24/07/2007

june in july

23/07/2007

vamos fazer assim

Vamos fazer assim: você promete que nunca, nunquinha, never, neverzinho, deixa de espalhar pelos ares da chapada esse cheiro de alegria que sai de todos os seus poros e escorre pelos seus olhos.
Vamos fazer, então, assim também: você continua abolindo saltos em respeito à deselevada estatura do meu topete, e continua se exibindo e desfilando e florindo e flutuando por sobre tudo com esse metro e meio de longuíssimas pernas, que parecem começar em algum ponto perdido do passado e acabar dentro do meu peito.
E, já que vamos fazer assim e assim, a gente faz também assado: você faz meu chá quando eu estiver gripado, você conta piada se eu ficar amuado e, se eu chorar, você canta, meio desafinado. E, olha: não ria de mim se, de vez em quando, eu esquecer os meus princípios e escrever um pouco rimado.
De tudo isso em sendo feito, acredite: não há como sair do meu peito esse ronronron que me acalma, nem há como morrer de inanição esse calor que abraça meu sorriso.
Então, por tudo isso, façamos como acima combinado: você perto de mim, eu ao seu lado. E, em toda parte, um cheiro de açúcar queimado, o som do pôr-do-sol por trás do mar e a brisa leve do nosso mais-que-perfeito-e-gostoso-e-sincero-abraço-com-toque-de-pra-sempre.

13/07/2007

As Várias Faces de Jackie S.

{Quem é Jackie S. - breve biografia, a título de prólogo}

Jackie S. nasceu ao som do “Toreador” de Carmem, de Bizet,
19 anos depois do nascimento de Jaqueline da Silva Só (Silva
de mãe e Só de pai, que nunca teve).
Jackie S. habita uma caixa lilás (tam. 23 x 35 x 12 cm), localizada em uma sacola amarela das antigas Casas Pernambucanas, que, por sua vez, faz parte de um país chamado Terceira Gaveta da Cômoda, uma ilha no hemisfério sul do planeta chamado Quarto de Jaqueline.
Jackie S. tem olhos nublados, cabelos curtos, unhas roídas, sorriso pequeno, e usa pantufas cor de rosa para ir ao supermercado. Toma café em copo de geléia, que segura com as duas mãos porque sente muito frio nos joelhos. E não gosta de batatas fritas.
Jackie S. é ambidestra e escreve mal com os dois pés. Tem talento para a música, mas a cada 28 dias perde a voz, que escorre por suas pernas chegando a manchar o lençol.
Jackie S. largou a escola, o namorado, a mãe, o cigarro e o arroz, tudo ao mesmo tempo, durante a grande Crise de Asma de 39.
Jackie S. não está formada e, por conseguinte, não está pronta. Portanto, qualquer coisa que se diga sobre ela será mera especulação, mexerico, maledicência ou coisa que não o valha.
Jackie S. tem aproximadamente 365,4 máscaras em seu guarda-roupa, e as escolhe de acordo com a cor da alma do dia, sempre após lamber o dedo mínimo da mão esquerda, levar a mão à janela e ver a direção do vento: invariavelmente se decide pela direção oposta às correntes de ar, porque adora correr atrás de chapéus. Especialmente em meio à chuva.
Não é louca.
Dizem.
Mas ninguém nunca contestou.

02/07/2007

Escrevi no Cine Pathé sobre Pequena Miss Sunshine.
Passa lá.