06/01/2006

O Espectador Fiel

Assumo que sou um péssimo crítico de cinema. Reconheço. Mas isso me dá uma certa liberdade: a de elogiar, criticar ou ser desprezivelmente indiferente a qualquer filme sem receio dos policiamentos de uma certa "inteligentzia vigilantti", que insiste em se autoproclamar acima de qualquer suspeita de debilidade intelecto-cultural. Assim, livre de qualquer amarra pseudo-genial, digo o que senti na frente da telona. Isso me dá a liberdade, por exemplo, de dizer que acho Matrix de uma chatice sem tamanho, com aquele figurino black-kitsch e aqueles tons de verde beirando o insuportável. E de, inclusive, assumir que chorei assistindo "Os Dois Filhos de Francisco". Sim, chorei mesmo, e daí? Ele foi feito pra isso, a história é bonita e, apesar de toda a antipatia que nutro por duplas cantando escaramuças de amor de forma esganiçada, simpatizei com o filme. Claro, isso não me dá a mínima vontade de assisti-lo outra vez. Certas experiências só nos podemos permitir uma vez na vida. E está de bom tamanho ouvir "É O Amor" na voz de Maria Bethânia apenas uma vez. Tudo bem que o Brasil é brega, que as elites são bregas, que a Globo é brega, e que a gente tem mesmo de assumir a breguice latente no DNA brasileiro de vez em quando. Mas até mesmo isso tem limite. E o meu chegou nos letreiros finais e nos olhos úmidos. Acabou. Parabéns à dupla, e coisa e tal. Mas, Oscar? Convenhamos...
Agora, "O Jardineiro Fiel" é outra coisa. De encher, literalmente, os olhos. Fernando Meirelles mostra que Cidade de Deus não foi um acidente de percurso. Apesar de certos maneirismos de Meirelles e seu diretor de fotografia, César Charlone, como as cores saturadas, as cenas de miséria travestida de alegria e poesia e, até, da galinha corredeira recorrente, o filme tem uma beleza e uma dinâmica que marcam um ponto importante na consolidação de um novo jeito brasileiro de fazer cinema, que ultrapassa a velha barreira boba do idioma e rompe, de vez, a sina do improviso. Meirelles teve a sorte (ou a capacidade) de contar com Ralph Fiennes atuando de forma convincente e com Rachel Weisz transbordando na tela uma forma de sensualidade impensável no cinema tupiniquim: a sensualidade vestida, ainda estranha no país onde bundas requebrantes são sinônimos e padrão de beleza. Rachel Weisz, ou a sua personagem, Tessa, ilumina a tela com um sorriso simples e encantador, e com a indignação perdida por nós em meio às tantas pauladas que o mau e velho capitalismo nos dão todos os dias, em todas as partes do mundo.
O Jardineiro Fiel é uma festa para os olhos e um tapa na cara de nossas certezas. E é, e muito, uma história de amor, enrolada no lençol do suspense que esconde o principal elemento do filme, na minha modesta opinião: até que ponto você conhece quem você ama? Até onde você confia, acredita, admira e é capaz de mover o mundo pelo seu amor? O fim do filme é uma aula de sutileza e de, porque não, uma metáfora da verdadeira e definitiva entrega a quem se ama. Um fim que começa a surgir em uma frase, solta, pouco percebida no meio do filme, dita por Ralph Fiennes: "Tessa era minha casa".
Soberbo. Só vendo. Eu vou ver de novo. Meirelles merece. A gente merece.

Um comentário:

Mariana Arraes disse...

andréééééééé... voltou de vez com o blog? espero que não tenham intervalos de atualização tão longos a partir de agora!!
ainda não vi "O Jardineiro Fiel"... mas li sobre [aqui tbm]. todos dizem que é um belo filme... está na minha lista!! forte abraço e sorte em 2006!!!!