16/06/2005

O País da Cara de Pau

Para Raimundo Uchoa

O que mais assusta nessa confusão em que o Brasil se vê envolvido, alimentada pelo Deputado Roberto Jefferson e suas declarações, não é a existência do "mensalão", nem o vídeo do pagamento de propina, nem mesmo que seja muito remota a possibilidade de que essa CPI chegue a algum termo minimamente condizente com os anseios de justiça do povo brasileiro. O que assusta, mesmo, é a cara-de-pau de quem está sentado em frente a outro cara-de-pau, fingindo que não sabe, que nunca viu, que não teve notícia ou como se a corrupção fosse algo estranho, inesperado ou assustadoramente inédito no país. Não é possível qualquer brasileiro minimamente inteligente acreditar que as denúncias do deputado cantor, ex-primeiro escalão da tropa de choque de presidente afastado por ter institucionalizado "oficialmente" a corrupção no país, sejam fruto apenas e tão somente de uma mente privilegiada e criativa, que inventou tudo e resolveu "derrubar a casa" do governo Lula. Se não é politicamente correto nem historicamente prudente afirmar que os nativos brasileiros eram corruptos antes da chegada de Cabral, não é arriscado dizer que a corrupção no Brasil pode ser documentalmente colocada como irmã gêmea do Descobrimento já que, na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, há um explícito pedido de favorecimento, amarrado ao teor emocional de uma correspondência que, certamente, deixou feliz o monarca: Caminha pede que seu genro, condenado por roubo e cumprindo pena de degredo em São Tomé, seja beneficiado com um "afrouxamento" da pena e mandado para o recém-descoberto novo território português. Ou seja: o tráfico de influência, forma de corrupção tão antiga quanto a "vida fácil", estava registrado, para sempre, no último parágrafo da primeira correspondência oficial redigida em nossas terras. Ou, no caso, em nossas águas. Daí, o susto: ou a classe política brasileira está vivendo na Ilha da Fantasia ou serra, todos os dias, seus longos narizes de madeira em frente ao espelho. Provavelmente, com serrotes fornecidos por nós mesmos, já que somos nós, com esse eterno desprezo que temos para com a reflexão antes de dar um voto, que os colocamos lá, no centro desse picadeiro chamado Brasília. Que, estranhamente, está mais para uma estranha polvorosa em torno do assunto do que mostrando alguém com sinais mínimos de verdadeira indignação. E isso, essa aparente falta de revolta, transmitida pela tv nos longos depoimentos ou nas entrevistas cheias de entrelinhas, nos deixa com uma dúvida: estariam nossos nobilíssimos representantes entorpecidos por uma longa exposição ao vírus da corrupção e, portanto, sem capacidade de indignação, ou estão mais assustados do que, verdadeiramente, preocupados? E, fazendo eco à pergunta do jornalista Ricardo Setti, do site No Mínimo: onde está a indignação do Presidente, tantas vezes demonstrada quando candidato, quando sindicalista e quando "lado de fora" do Palácio do Planalto? A conclusão pode ser: todos mentimos, todos nos enganamos, todos colaboramos ao ver, todos os dias, debaixo de nossos longos narizes encerados, deputados, senadores, prefeitos, vereadores, policiais, amigos, aderentes e parentes pagando propina, ganhando licitações fraudulentas, comprando voto, liberando em blitz, arranjando emprego público, furando fila no banco ou dando troco errado em padaria. Não, não somos um país de corruptos. Mas, pelo visto, estamos aos 40 minutos do segundo tempo, perdendo por dois a zero.
A essa altura, um empate já estaria de bom tamanho.

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